Economia criativa depende de conexões para crescer
Isolamento de pessoas que atuam em economia criativa pode ser o principal entrave para crescimento econômico
Igor Caldas
O Brasil é conhecido no mundo pela criatividade. Historicamente, muitos artistas brasileiros que atuam em diversas áreas viram destaque internacional. Mas segundo o gestor cultural e especialista em economia criativa, Décio Coutinho, apesar de muitos brasileiros atuarem com produção criativa, a maioria delas encontra dificuldade em monetizar suas obras e necessita de possuir um trabalho fora da criação artística. Ainda segundo o especialista, o segredo para o sucesso pode estar nas conexões entre áreas que darão visibilidade aos trabalhos de cada um.
“Muitas pessoas que atuam na economia criativa, vivem em um certo isolamento dentro da sua própria área. Não há intersecção e articulação em diferentes segmentos da arte”. O especialista explica que quando há conexão entre setores da economia criativa com outras áreas dentro e fora dela, se ganha mais sustentabilidade financeira e gera mais condições de prosperidade no mercado.
Marcelo Andrade se formou em arquitetura na Universidade de Brasília. A princípio, buscou o curso porque achava que a prática na área teria grande liberdade criativa. “Ao longo da formação, percebi que na prática é um trabalho bem técnico. O projeto é resultado de uma metodologia e a criação acaba sendo limitada por diversas condições. Por exemplo, material de trabalho e desejo do cliente. Me sentia preso”. Marcelo saiu da faculdade e tentou trabalhar como tatuador, mas também sentiu que sua criatividade estava sendo limitada no estúdio.
“A maior dificuldade no estúdio de tatuagem é lidar com ideias prontas dos clientes. A galera chega com ideias muito fechadas em desenhos que viram na internet”. O arquiteto afirma que se o tatuador não está em alta no mercado, a produção de tatuagem em estúdio se torna muito repetitiva e pouco autoral. Além disso, ele acredita que a área de tatuadores está saturada. “É muito comum você ter algum amigo que está estudando tatuagem ou trabalhando com isso. O mercado parece que deu uma saturada”, afirma.
Por meio da experiência multidisciplinar da Universidade de Brasília e da criação de um atelier com outros colegas, Marcelo aprendeu e reuniu técnicas distintas que, junto com a arquitetura, o levaram a dominar seu trabalho atual: projeção mapeada. Ele fabrica palcos das maiores festas raves do Estado e projeta imagens digitais nas formas que ele mesmo cria nas estruturas. “Acabei vendo o mercado da projeção mapeada e arte com tecnologia digital e encontrei um espaço melhor de trabalho para mim onde existem menos profissionais, e paga melhor”.
Para Décio Coutinho, o segredo do sucesso de Marcelo está justamente na intersecção que ele conseguiu fazer entre as diferentes áreas de atuação de sua arte. “No caso do arquiteto, ele conseguiu fazer essa articulação com festivais, projeção, tecnologia em mapeamento de imagem e construção de palcos. Ele conseguiu fazer a articulação intersetorial e intrasetorial onde pode trabalhar com arquitetura, música, audiovisual e tecnologia. Dessa forma, abriu espaço para achar o nicho certo no mercado em que atua”.
Marcelo fica extasiado com o alcance que seu trabalho pode ter. “Hoje em dia, recebo orçamentos do Brasil inteiro e estou fazendo trabalhos para outras cidades. Já recebi propostas para trabalhar no Rio de Janeiro, São Paulo e Cuiabá. São lugares que eu nem conheço, mas onde minhas obras estão conseguindo chegar. Acho que a melhor gratificação é de ver que meu trabalho dentro de um quartinho em Goiânia pode me levar para conhecer o mundo, que minhas ideias podem atingir cada vez mais pessoas”.
Pedreiro direciona espátula para escultura
Robson Batista do Nascimento é autodidata em tudo que faz. Ele trabalha como pedreiro autônomo, mas sua verdadeira paixão é a arte. Aprendeu a desenhar desde criança e hoje domina técnicas de grafite, tatuagem e escultura. Sua primeira experiência com a tatuagem foi através de uma máquina que ele mesmo construiu. Depois, o artista comprou os equipamentos originais e aprimorou sua técnica do desenho na pele. Hoje, ele adaptou essas atividades artística para o gesso e barro para produzir esculturas de santos.
O pedreiro também é praticante da Umbanda e colabora nos trabalhos espirituais do terreiro que frequenta reformando e fabricando imagens de santos. Robson começou com a escultura porque sua esposa queria comprar uma imagem, mas eles não tinham dinheiro para adquiri-la. “Minha esposa gostou da imagem de uma entidade à venda e queria comprar, mas a gente não tinha dinheiro. Então eu falei que ia tentar reproduzir ela no gesso. Hoje eu consigo fazer uma imagem usando outra escultura como modelo”.
Para o escultor, seu trabalho de pedreiro não possui a liberdade criativa da escultura. “Na construção civil a gente tem que seguir ordem do projeto. Apesar de usar outra imagem de santo como modelo, no gesso ou barro, eu posso mudar algum gesto da escultura para torná-la autoral. Elas nunca saem iguais ao modelo. Me sinto mais livre para criar. Na construção civil eu tenho que ficar preso ao projeto”.
O umbandista também se sente mais valorizado no trabalho artístico. “Na obra, é o cara que me contrata que acaba sendo o felizardo de apresentar o trabalho pronto para o cliente. A pessoa compra a casa e é o patrão que dos pedreiros que sai como bom trabalhador. Ele não pega em nenhum tijolo para construir a casa, mas leva o mérito. Por isso nosso trabalho é desvalorizado”, afirma.
O sonho de Robson é viver exclusivamente da arte. Mas, a maior dificuldade é encontrar o nicho adequado para monetizar seu trabalho. “O maior desafio é conseguir clientes. Sem eles não existe venda. Estou começando agora e espero que tenha mais clientes no futuro”. Ele acredita que faltam políticas públicas para dar mais oportunidades aos artistas locais. “Seria bom se o Estado investisse mais em cursos gratuitos para dar mais chances de trabalharmos com o que a gente realmente gosta”.
Para o especialista em economia criativa, Décio Coutinho, o escultor deveria buscar conexões para dar mais visibilidade ao seu trabalho. “No caso do escultor, ele está mais isolado do setor da construção e das obras. Então seria importante se ele conseguisse apresentar seu trabalho em articulação com outros setores, dando visibilidade para o que ele faz. Infelizmente, não temos incentivos com perspectiva dessa articulação em Goiás e existem pouquíssimos investimentos nessa área no país”.
O especialista ainda afirma que faltam espaços para trocas realizadas entre artistas, mas que isso pode e deve ser feita de forma independente e coletiva. “Uma das coisas mais importantes para que esse mercado floresça é que haja espaço onde possa acontecer essas trocas. As cidades estão carentes desses espaços. Praças, feiras, ruas, qualquer lugar onde as pessoas possam se encontrar e fazer trocar. Existem várias feiras, exposições onde poderiam acontecer essas conexões”.