Empresas tradicionais resistem graças à humanização do negócio
Valorização de corpo de funcionários e fidelização dos clientes fez com que empresa se tornasse uma das maiores no ramo de tecidos.
Igor Caldas
Negócios que prosperam há muito tempo tem que realizar mudanças para resistir no mercado. Existem aqueles que mesmo com transformações profundas, conservam sua tradição. É o caso da Tecidos Tita, um dos maiores atacadistas de tecidos do Brasil, fundada em Goiânia há mais de meio século por uma pessoa deficiente visual, cuja visão de negócio deu origem a um império. O fundador e presidente, Manuel Madruga, faleceu em 2003, aos 81 anos, mas a rede de lojas continua liderando o mercado de tecidos, com cerca de 20 mil clientes no país.
Sua biografia, de retirante nordestino humilde a empresário de sucesso, moldou o segredo do êxito da empresa que fundou: A valorização do corpo de funcionários e fidelização dos clientes. “Ele dizia que seu maior tesouro era seus empregados e compradores”. Afirma o gerente de vendas, Doraildes Barreto, que entrou na firma há 53 anos como embalador. Mesmo com tantos anos de casa, o gerente afirma que todos os dias aprende alguma coisa nova. “Aqui eu fiz minha vida. Aprendi tudo que sei e continuo aprendendo diariamente”.
Em 1954, Manuel fundou a primeira loja em Goiânia com o nome que homenageava sua avó materna, Francisca da Costa Cunha Rego, chamada de Dona Tita. Hoje, a direção da empresa está nas mãos de seu sobrinho, Teodoro Castro Lino e do sócio Bevenuto Veras Júnior, que seguem à risca a máxima da empresa: a humanização das relações no negócio. “Ele dizia sempre que agachar só era benéfico se fosse para levantar o outro”, afirma Teodoro Lino.
A superintendente executiva da Câmara dos Dirigentes Lojistas de Goiânia (CDL Goiânia), Dinamarta Correia Batista, afirma que vê essa tradição em outras lojas na cidade. “Existem outros segmentos na cidade que seguem o mesmo perfil da Tecidos Tita. Sempre buscando inovar, se atualizar, mas ao mesmo tempo, valorizando o corpo de funcionários e o relacionamento humanizado com os clientes”.
Ela ainda afirma que não percebe a mesma tradição em grandes centros como Rio e São Paulo e acredita que esta seja uma marca do jeito goiano de lidar com os negócios. Dinamarta cita o exemplo das Casas Goianita como outra loja tradicional que valoriza os funcionários e clientes. “São lojas antigas que buscaram se adaptar e inovar, se tornando referência do segmento. Quantas empresas de fora passaram por aqui, vieram com muita força, mas não conseguiram prevalecer sobre a valorização do ser humano e o relacionamento forte com o cliente”, afirma.
Teodoro lembra que “Outra tradição que damos continuidade é a política de colocar três pessoas em cada cadeira da empresa. Porque se alguém ficar doente ou se afastar, teremos outra pessoa competente e experiente para assumir a função sem prejuízo da empresa. Essa era a ideia do meu tio”. No caso da direção da empresa, em vez de três pessoas por cadeira, são quatro. Os filhos dos diretores, Igor Veras e Manuela Lino também estão prontos para assumir o cargo e sempre trazem ideias novas, necessárias para a sobrevivência no mercado.
Funcionários
O maior investimento de Manuel Madruga, desde o início da empresa, foi nos funcionários. Em um trecho de sua biografia escrita por José Alberto Braga, o proprietário e fundador revela que “Todo grupo é fundamental ao desempenho do negócio. Todos os colaboradores são mais do que importantes. Diria que têm sido decisivos para o notório crescimento nestes mais de 40 anos de empresa”.
Manuel Madruga acreditava que para prosperar, o funcionário deveria estar motivado a dar o seu melhor dentro da empresa. Por isso, criou a Fundação Manuel Madruga de Responsabilidade Social com o objetivo de propiciar, dentre outras coisas, moradia, assistência médica, hospitalar e farmacêutica, bem como ensino, em todos os níveis, inclusive artístico, a funcionários da empresa e seus familiares, benefícios esses extensivos aos futuros funcionários da própria Fundação.
Um complexo habitacional foi construído pela fundação para que os empregados em início de carreira economizassem dinheiro de aluguel para dar entrada na compra de suas próprias casas. “Você já viu algum empresário construir casas que não fossem destinadas para aluguel? Ele acreditava que deveria ajudar todos os funcionários a terem uma vida confortável para que pudessem se dedicar com esforço à empresa”.
Empresa estimulou crescimento de outros negócios
Além da valorização de colaboradores, Teodoro conta que Manuel Madruga fazia de tudo para seus clientes prosperarem nos negócios para que pudessem se tornar parceiros fiéis à marca. O proprietário estimulava a criação de lojas de tecidos no interior do Estado. “Se o cliente que tivesse acabado de montar uma loja fizesse uma escolha errada e comprasse tecidos que não tinham saída para a venda, nós pegávamos a mercadoria de volta e enviávamos os tecidos que estavam na moda, sem custo adicional”.
Teodoro ainda afirma que quando algum lojista de fora tinha problemas com a administração das contas de seu negócio, Madruga enviava os funcionários da própria empresa para ajudar. “Já enviamos muitos contadores daqui para ajudar lojas em outros lugares porque tio Manuel entendia que fortalecer um parceiro comercial significava fortalecer o próprio negócio”. O sucesso de vendas fez com que a loja ficasse entre os 500 maiores contribuintes de ICMS de Goiás. Ela já chegou a ser a empresa que mais contribuiu com o imposto para o Estado.
Uma das empresas que a companhia ajudou a fazer prosperar foi a do empresário Ricardo Scaf. Seu avô fundou um armazém em Bela Vista no início do século, a direção da loja passou para seu pai que se tornou cliente da empresa de Manuel Madruga há mais de 50 anos. Hoje, Ricardo mantém a tradição de comprar na loja em Goiânia e se tornou um dos maiores fornecedores de tecidos em Bela Vista.
Importações e exportações driblam crise econômica
Teodoro Lino conta que no início, a loja comprava tecidos das fábricas brasileiras, mas hoje é impossível competir com o preço dos produtos chineses. “Antes existiam 50 fábricas de tecidos no Brasil. Hoje existem apenas cinco. Atualmente, 90% dos nossos produtos são importados da China”. Ele explica que os fornecedores chineses se tornaram fiéis porque Manuel Madruga fez questão de conhecê-los pessoalmente no oriente e convidá-los ao Brasil para firmar uma parceria.
O diretor admite que os avanços tecnológicos e a era da informação transformaram a maneira de fazer negócios. “A televisão perdeu muito espaço para o computador e celular. O jovem está muito mais ligado nisso. Hoje o comércio também tem que ser pensado para essas telas. O cliente quer ver o que tem na loja pela internet”. Ele afirma que antes havia uma relação mais pessoal, mais próxima com os clientes. Teodoro revela que todos os tecidos que existem na loja estão catalogados no site da empresa e que vai fazer investimentos em e-commerce.
Sobre a crise econômica, Teodoro foi categórico: “Nessa situação, é o seguinte: Ou você chora, ou vende o lenço. Eu escolhi vender lenço. No meu caso, continuar a vender tecido”. Ele ainda afirma que é necessário ficar de olho no mercado da moda e sempre manter-se atualizado, pois quem dita as tendências atualmente são as Magazines. “Temos que estar nos países onde estão os principais criadores da moda para que a gente alinhe com os nossos negócios. Era a tradição do meu tio de sempre estar preparado para se atualizar”.
De acordo com o diretor, entre as coisas que fizeram o negócio resistir foi a variedade de produtos da loja, aumento nas importações e exportações de produtos e o crescimento do pólo de confecções em Goiânia, que representa uma fatia considerável das vendas. “O que nos mantém com a cabeça fora d’água é estar fincado em um dos maiores pólos de confecção do país. Importação e exportação também foi fundamental. Estamos expandindo com uma filial em Itajaí, em Santa Catarina, com esse objetivo.
A superintendente da CDL Goiânia afirma que a busca por atualização e diversificação foi muito importante para o sucesso da Tecidos Tita. “No iníco, a loja só vendia tecidos, depois foi diversificando. Isso agrega valor à marca. Quem vai para comprar um produto, acaba comprando outros complementares. como linhas rendas e aviamentos, por exemplo”.