OAB-GO entrega carteira profissional para advogado cego
A história de Jeorge Carlos Ferreira mostra que o esforço e dedicação pode romper as barreiras para a inclusão| Foto: Wesley Costa
https://youtu.be/XNZswrTvXDA
Igor Caldas
A ausência da visão não impediu que Jeorge Carlos Ferreira, de 31 anos, se tornasse advogado pela ordem de Advogados do Brasil (OAB-GO). O jovem perdeu a visão total aos 17 anos, em decorrência de um acidente. Após se tornar deficiente visual, Jeorge ficou cinco anos na escuridão de um quadro depressivo. Nos estudos, ele conseguiu encontrar a luz que precisava para enfrentar sua nova realidade. “Eu quis cursar Direito para entender mais sobre os meus direitos e das pessoas que também tem algum tipo de deficiência”, afirma o advogado.
Ele recebeu a carteira da OAB-GO no dia 21 de novembro deste ano, junto com mais 47 novos advogados. Jeorge revela que sua trajetória foi árdua, mas o esforço e perseverança para vencer as dificuldades superaram todas as barreiras. “Quando eu perdi a visão, fiquei cinco anos sem sair de casa. Foi quando eu voltei a cursar o terceiro ano do ensino médio que eu percebi que conseguiria vencer os desafios mesmo sem enxergar”.
Jeorge afirma que continuou a estudar de onde parou, com 23 anos. Ele terminou de cursar o terceiro ano do ensino médio em escola pública. O advogado conta que o início dos estudos não foi fácil, mas a solidariedade dos colegas o motivaram a seguir em frente. Após sua formatura, ele ingressou em uma instituição de ensino particular para cursar Direito. Na sala de aula, ele gravava as aulas em áudio. “Os professores ajudavam nesse aspecto, fazendo questão de expressar na fala, tudo que eles escreviam no quadro”, relata.
O advogado fez cursos para aprender a escrever no computador e dominar softwares que auxiliam pessoas com deficiência visual. “A tecnologia é fundamental para o deficiente visual. O braille é um sistema que ficou um pouco ultrapassado com todas as novas ferramentas que nós temos. Mas isso traz uma dependência em relação à questão digital. Sem energia e sem celular seria impossível eu realizar algumas tarefas simples para uma pessoa que enxerga”.
Apesar do esforço dos professores para a inclusão, o advogado ressalta que a faculdade não estava preparada para receber alguém com deficiência total de visão quando ele iniciou o curso. Os professores não sabiam da existência de softwares direcionados para deficientes visuais que transformam texto em áudio. “No começo, eu fazia a prova com alguém lendo e escrevendo para mim. Depois que apresentei o software para os professores, eu podia fazer a prova no notebook, acessando o exame gravado dentro de um pen drive pelo professor”.
Para ilustrar o tamanho da falta de preparo na formação de um aluno com deficiência visual, Jeorge relata uma ocasião que lhe trouxe constrangimento. “Teve uma vez, que uma professora chegou a entregar a prova escrita para eu fazer em cima da carteira, como faria com os demais alunos que enxergam. Ela não percebeu que eu tinha ausência da visão”. O advogado afirma que ficou constrangido e houve atraso para que os docentes encontrassem uma alternativa para que ele pudesse realizar o exame.
A barreira mais difícil que Jeorge tem enfrentado após sua batalha para conseguir se formar é a de inserção no mercado de trabalho. “Atualmente, está muito difícil para uma pessoa trabalhar na mesma área que formou na faculdade. Para uma pessoa com perda total da visão, é mais difícil ainda”. Ele avalia que é possível ver algumas vagas para pessoas com deficiência na televisão, mas elas não contemplam sua área de formação. “Normalmente, são empregos de faxina, limpeza de motores em empresas, operador de caixa. Todos são empregos dignos, mas eu quero batalhar para buscar uma vaga na minha área de formação”, argumenta.
O advogado esclarece que há cotas para ingresso de pessoas com deficiência em vagas de emprego também na advocacia. No entanto, ele acha que a forma de classificação dos níveis de deficiência são falhos. “A pessoa que tem a visão de apenas um dos olhos, já é considerada com um grau de deficiência alto. Por isso, as empresas preferem contratar uma pessoa que tem a visão reduzida para preencher a cota. Pessoas que não enxergam nada, como eu, ficam prejudicadas”, complementa o advogado.
O sonho de Jeorge é ingressar na carreira de Direito e fazer concurso público para se tornar Procurador. Contudo, ele precisa de, no mínimo, três anos de experiência jurídica. De acordo com o advogado, o apoio de sua família foi fundamental para chegar onde ele está. Ele se casou recentemente. “Eu quero poder trabalhar, ter filhos e conseguir autonomia para constituir minha família e criar eles da melhor forma possível. Como qualquer pessoa normal”, finaliza.
OAB tem Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência
A Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência é uma vertente da OAB-GO que acompanha as demandas de pessoas com deficiência relacionadas ao meio jurídico aplicadas à responsabilidade civil. De acordo com o presidente da comissão, Diego Magalhães, um dos principais objetivos desta junta é garantir que as políticas públicas relacionadas à pessoas com deficiência sejam cumpridas. Ele afirma também que o comitê é formado por cerca de 70 advogados e mais da metade deles, possuem algum tipo de deficiência.
O trabalho do grupo dialoga com outros órgãos, como tribunais e o Ministério Público. Ainda segundo Diego, a comissão existe há oito anos e já conseguiu uma série de êxitos na causa. “Já publicamos a Cartilha do Direito das Pessoas com Deficiência; Fizemos articulação para a criação da Lei de Cotas para cargos comissionados no âmbito do Estado junto com deputados; Lutamos pelo reconhecimento da Campanha Setembro Verde, que traz mais visibilidade à causa”, afirma Diego.
Uma das pautas levantadas pela delegação foi justamente a inclusão de alunos com deficiência no sistema escolar. O assunto foi discutido em audiência pública promovida pela CDPCD e a Câmara Municipal de Goiânia. Entidades ligadas à defesa dos direitos da pessoa com deficiência (APAE de Goiânia, Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência, entre outras), Ministério Público, UFG, PUC-GO, Uni-Anhanguera, Prefeitura de Goiânia foram convidadas a participar do evento.
A garantia da educação inclusiva é dever do Estado e um direito previsto no Estatuto da Pessoa com Deficiência. Mas, percebe-se a existência de muitas barreiras para a inclusão efetiva do aluno com deficiência no sistema regular de ensino, como revela a história de formação do advogado com perda total de visão, Jeorge Carlos Ferreira. (Especial para O Hoje)