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domingo, 24 de novembro de 2024
Contradição

Veto do cultivo de canabidiol dificulta acesso aos produtos medicinais

Anvisa aprova venda e fabricação de medicamentos à base de maconha, mas o cultivo permanece proibido. Foto: Wesley Costa

Postado em 5 de dezembro de 2019 por Sheyla Sousa
Veto do cultivo de canabidiol dificulta acesso aos produtos medicinais
Anvisa aprova venda e fabricação de medicamentos à base de maconha

Igor Caldas*

Depois da aprovação unânime que autoriza a fabricação e venda de medicamentos à base de maconha no Brasil, a diretoria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu pelo veto do cultivo da planta em território nacional para finalidades científicas e medicinais. O voto favorável ao plantio foi do presidente da Agência, André Dib, o único a votar a favor da causa. De acordo com familiares de pacientes que precisam usar o medicamento, o veto da Anvisa faz com que a decisão sobre venda de medicamentos seja ineficaz.

“Não há o que comemorar sobre a decisão da Anvisa de liberar a fabricação e venda de remédios à base da planta porque a matéria prima vai ter que ser trazida de fora. Isso vai fazer com que o produto continue caríssimo para o consumidor final”. Afirma, Mayara Souza, mãe de Joaquim, de 5 anos. Joca, como é chamado pela família, depende do medicamento para aliviar os sintomas de sua paralisia cerebral e garantir o mínimo de qualidade de vida para ele e sua família.

Com o veto, as empresas que forem instaladas no Brasil vão precisar importar os insumos para produzir medicamentos à base de maconha. Elas também vão poder importar os remédios prontos, já com as bulas traduzidas para o português. Antes da aprovação da fabricação e venda, pacientes que necessitassem do consumo do remédio deveriam enviar relatórios para a Anvisa a fim de conseguir uma autorização para poder comprar o produto de entidades juridicamente autorizadas a comercializar o produto no Brasil ou importar o produto.

Foi dessa forma que Mayara conseguiu adquirir o medicamento essencial para a vida de seu filho. “Eu já havia pesquisado sobre o uso de medicamentos à base de Cannabis para pacientes com Parkinson. Como meu filho já estava tomando um medicamento desse tipo, que prejudicava sua saúde, eu pensei que o remédio feito com a planta poderia ser uma alternativa melhor. Então, sugeri isso para o nosso médico”, disse. Mayara conta que teve a ideia abraçada pela Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (ABRACE) que tem autorização judicial para cultivar as plantas, produzir o óleo e comercializá-la.

No entanto, Mayara fica preocupada porque o governo pode retirar a autorização judicial da associação. “Pelo que eu saiba, a decisão sobre a autorização pode ser derrubada. Isso coloca milhares de famílias que dependem do medicamento em risco. O produto comercializado pela ABRACE é muito mais barato do que o importado”, esclarece. Mayara afirma que paga R$ 250 no remédio de seu filho, que dura por cerca de três meses. O mesmo medicamento importado chega ter valor 10 vezes maior do que o comercializado pela associação.

“O mesmo remédio importado custa até R$ 2,5 mil quando comprado pela internet. Não é porque ele vai poder ser vendido na farmácia que vai se tornar acessível. O veto da Anvisa não tem lógica. Faz com que a liberação seja uma mentira”. Mayara afirma que além dos impostos sobre a importação, o comércio também vai agregar valor de outras taxações sobre o produto. Isso deve deixar o medicamento ainda mais caro nos balcões das farmácias brasileiras.

Mayara ainda diz que sozinha a ABRACE não dá conta de toda demanda das famílias brasileiras. “Na época que eu precisei, fiquei em uma fila de seis meses para conseguir o medicamento”. Alguns desses remédios têm que ser usados em casos emergenciais. “Há convulsões do meu filho que são aliviadas apenas com o spray que contém THC, justamente a substância mais estigmatizada da planta”. O THC é princípio ativo dos efeitos psicotrópicos da maconha.

Apesar da não aprovação do plantio, o presidente da Anvisa afirmou a imprensa que o resultado da votação é muito importante para o país. No entanto, voltou a defender o cultivo em declarações. “O Brasil vai continuar sendo dependente de insumos. O objetivo de regulamentar o plantio era fazer plantio seguro, de qualidade e eficaz”. Ele ainda acredita que o debate do plantio poderá voltar à agenda da Anvisa ou do Congresso Nacional no futuro. O presidente da Anvisa diz que, a partir do início de 2020, os medicamentos à base de maconha já devem estar disponíveis nas farmácias do Brasil.

 Medicamento é eficaz contra paralisia cerebral 

Mayara teve muitas complicações durante a gravidez. Joca nasceu com 35 semanas, abaixo do peso com apenas 1400 gramas. Durante o período neonatal, ele passou quase dois meses em uma Unidade de Tratamento Intensiva (UTI). Nesse período, Joaquim teve muitas intercorrências médicas. “Meu filho sofreu desde pneumonia até meningite bacteriana. Ele ficou um mês no respirador e teve uma falta muito grave de oxigênio. Além disso, sofreu com icterícia grave e anemia aguda”, relata Mayara.

O diagnóstico dele foi demorado. Mayara relata que a família  não saiu da UTI com a análise de sua saúde em mãos. “Porém, devido às intercorrências médicas, nós sabíamos que ele poderia sofrer sequelas cerebrais”. Ele foi diagnosticado com paralisia cerebral com um ano e meio de idade. Joca pode sofrer crises de convulsões, movimentação involuntária e crises de ansiedade. Mayara começou a incluir o canabidiol na vida de seu filho há cerca de dois anos e os problemas começaram a ser amenizados.

“Entramos com o uso do medicamento à base dessa planta para fazer um teste devido à movimentação involuntária e a crise de ansiedade que o Joaquim tem. Antes da gente começar com o canabidiol, meu filho usava um medicamento para Parkinson, chamado Akineton. Ele causava muitos efeitos colaterais danosos”. O medicamento para Parkinson danificava a parte cognitiva de Joca. “Se antes ele tinha 15% de cognição, hoje ele está com 80%”, avalia Mayara.

“Meu filho não sabia quem ele era. Não esboçava nenhuma resposta quando a gente o chamava e não conseguia fixar o olhar em nada. A concentração dele era muito prejudicada e ele não tinha nenhuma autonomia, com riscos de rastejar no chão e bater com a cabeça em algum lugar”. Joaquim ficou super entusiasmado com a chegada da reportagem e expressou bastante alegria e empolgação com a chegada de novas pessoas na casa. Seu estado atual pareceu estar distante da sua antiga condição inerte relatada por sua mãe. (*Especial para O Hoje) 

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