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quinta-feira, 28 de novembro de 2024
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Passam a existir

Certidão de nascimento tardia garante direitos fundamentais, em Goiânia

Histórias de pessoas que não possuem certidão de nascimento preocupam, já que interfere em direitos básicos – Foto: Eduardo Ferreira.

Postado em 14 de março de 2020 por Sheyla Sousa
Goiânia deve ter mais verde e menos vazios urbanos
Especialistas reforçam a importância da gestão e no planejamento dos serviços públicos e arborização. - Foto: Reprodução

Daniell Alves

Direito humano, a certidão de nascimento é o primeiro documento civil e constitui importante passo para o exercício pleno da cidadania no Brasil. Embora seja um papel de extrema importância e que possibilita os direitos civis, políticos e sociais, algumas pessoas chegaram a esperar mais de 60 anos para ter o documento em mãos. Como aconteceu com Luiz Ribeiro Ramos, que obteve a certidão aos 66 anos.

A documentação foi obtida em Goiânia, no último dia 20, por meio da atuação extrajudicial da Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO). As situações de certidão de nascimento tardia não são tão comuns no Estado, mas existiram algumas exceções nos últimos anos. A reportagem do O Hoje reuniu algumas dessas histórias, que tiveram finais felizes, promovendo dignidade na vida dessas pessoas.

Antes, sem qualquer documentação, Luiz não tinha acesso a nenhum dos serviços básicos de saúde ou benefícios sociais. Morando debaixo de árvores, em estrutura improvisada, no Setor Goiânia 2, ele sobrevive de restos de comida coletados no lixo. Há mais de dez anos vive naquela região.

Em conversa com vizinhos próximos, ele informou que não tinha nenhum tipo de documento. Por isso não conseguia ser atendido em hospitais para atendimentos mais complexos. Nunca tinha ido a um hospital, frequentado uma escola ou teve um emprego formal. Os contratos de trabalho eram sempre verbais.

Luiz relata que nasceu em Uberaba (MG), onde vivia com o pai e dois irmãos na zona rural e, ano de 1973, chegou a Goiânia. Na cidade, aprendeu a escrever e ler algumas palavras, mas outros detalhes de sua vida ele se esqueceu com o tempo. Na capital goiana foi vivendo, onde foi adotando e resgatando seus 16 cães, que hoje são como sua família. “Os documentos ajuda muito a pessoa. Agora quero operar. Nunca fui ao médico”, comenta Luiz.

Primeiro documento

Ao ter conhecimento da história de Luiz, a Coordenação de Investigação dos Desaparecidos iniciou buscas, por meio das impressões digitais de Luiz, para verificar se ele possuía Registro Civil expedido em outros estados. No entanto, a busca não identificou nenhum registro. O defensor público Tiago Ordones Rêgo Bicalho, titular da 5ª Defensoria Pública Especializada de Atendimento Inicial, também verificou nos cartórios de Goiânia e Uberaba e não foi encontrada documentação.

Assim, a Defensoria Pública encaminhou ofício requerendo ao Cartório Silva a realização do Registro Tardio de Nascimento de Luiz. “A ausência de registro o impedia de exercer seus direitos de cidadão”, destacou Tiago Bicalho. O tabelião Mateus da Silva informou que esse foi o segundo caso, nessa faixa etária, atendido pelo cartório. O defensor público afirma que a DPE-GO continuará acompanhando o idoso, a fim de garantir seu acesso à saúde e benefícios sociais.

Registro em mãos

Caso semelhante aconteceu com a senhora Maria Vaneide Caixeta do Nascimento, 57 anos, moradora na zona rural de Cristalina, distante 40 quilômetros da sede do município, por meio de estrada de terra. Ela vive há mais de 20 anos isolada em uma fazenda, de propriedade de sua família, onde atua como lavradora. Durante todos esses anos, a senhora não existiu legalmente.

Assim como Luiz Ribeiro, Maria não tinha carteira de identidade, certidão de pessoa física e nenhum outro documento pessoal. Mas, em julho do ano passado, ela recebeu em mãos o registro de nascimento, autorizado pelo juiz da comarca, Thiago Inácio de Oliveira, titular da 2ª Vara Cível, das Fazendas Públicas e Registros Públicos. A agricultora havia conseguido passar pela sociedade, sem documentos pessoais, pelo seu distanciamento social.

Desde que sua mãe morreu, na década de 1980, Maria Vaneide diz que não “pisa na cidade e nem gosta de saber notícias de lá”. Ela foi alfabetizada na década de 1960, numa escola rural, e diz nunca ter adoecido e precisado ir a um posto de saúde – local que requisita identificação formal. Com a posse do registro, ela pode buscar benefícios junto ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), como aposentadoria rural, uma vez que já atingiu a idade mínima exigida.

Sentença

Para a sentença de registro tardio de nascimento, foram considerados os depoimentos das testemunhas – pai e irmãos mais novos de Maria – e a certidão de batismo, datada de novembro de 1961, dois meses após o nascimento da mulher. “Os filhos só eram registrados na ocasião do casamento. Como Maria nunca se casou, ficou sem certidão”, descreveu o magistrado após ouvir as audiências.

O pai de Maria, Santinones José Caixeta, confessou que deixou o tempo passar ao não buscar o cartório para registrar a filha e tinha ficado com receio da filha enfrentar problemas na divisão dos bens. Assim, procurou ajuda de um advogado. “Nós nunca precisamos, mas é importante ter documento uma hora. Vou ficar mais seguro sabendo que Maria agora tem registro”.

Como Santinones tem idade avançada, o processo teve prioridade. “Tão logo dei entrada, a audiência já foi designada. Em questão de dois meses, a sentença de registro tardio de nascimento já havia sido proferida”, elogia Mauro. Nas oitivas, Maria preferiu não comparecer ao Fórum. Dessa forma, o magistrado foi à residência da lavradora entregar o documento em mãos.

O juiz Thiago Inácio, que deu a sentença, se surpreendeu com o caso e destacou a importância do documento. “É importante o juiz sair de seu gabinete e ver a realidade. No Brasil, temos dados de subregistro – estima-se que 600 mil crianças até 10 anos não sejam registradas. Mas uma adulta de 57 anos é algo bastante incomum, por causa das várias trincheiras que necessitam de documentos”, pontuou.

Importância do registro

O registro de nascimento (RCN) de uma criança garante o direito a uma identidade. Só com o registro civil de nascimento, o cidadão pode matricular-se na escola; participar de programas sociais (saúde, assistência social, erradicação do trabalho infantil e outros); trabalhar com carteira assinada; casar; e votar.

De acordo com a Lei 10.046/2002 do Código Civil, o documento é obrigatório. O Ministério Público de Goiás (MP-GO) explica que é o ato de assento do nascimento de uma pessoa feito no livro próprio de registro civil de nascimento (nascidos vivos). Deve ser feito uma única vez na vida, quando do nascimento da pessoa.

Em 2018, o órgão fez uma ação de registro tardio de nascimento de Vicente Domingos da Silva, que não teve a idade divulgada. O homem era idoso e vivia em uma situação de vulnerabilidade social, na cidade de Itumbiara. Na época, ele necessitava da intervenção estatal para obter moradia em entidade de acolhimento e benefícios previdenciários.

Após ação do Ministério Público, Vicente Domingos conseguiu ter a certidão. “Não estando comprovada a existência de registro anterior em nome do substituído, merece provimento o apelo interposto, para autorizar a lavratura do seu assento de nascimento tardio”, disse o desembargador Francisco Vildon, à época. (Especial para O Hoje)

 

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