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sábado, 21 de dezembro de 2024
Crimes sexuais

Goiás registra 35 casos de pornografia infantil e 3 de exploração sexual

Os crimes sexuais contra crianças e adolescentes, na maioria das vezes, ocorrem dentro de suas próprias casas, conforme aponta o Anuário Brasileiro de Segurança Pública

Postado em 6 de setembro de 2024 por Ronilma Pinheiro

Os crimes sexuais contra crianças e adolescentes são silenciosos e na maioria  das vezes ocorrem dentro de suas próprias casas, segundo dados da Fundação Abrinq. Lugar que teoricamente deveria ser o ambiente mais seguro para se estar. É lá onde os laços de parentescos são forjados e consequentemente, onde apoio e segurança deveriam prevalecer.

No entanto, este também é o cenário perfeito para os abusadores que veem no seio familiar o seu ambiente de caça. Caça à criança ou mesmo adolescente que vê no adulto e principalmente naquele com quem tem laços sanguíneos, a imagem de proteção.

Dados do Anuário Brasileiro de Segurança de 2024, mostram que os crimes envolvendo pornografia infanto-juvenil registrados de 2022 a 2024 no Brasil, somam 152 casos somente entre crianças com idades entre 0 e 4 anos. Em relação ao mesmo período, porém, entre as crianças de 5 a 9 anos, esse número foi de 508 casos.

Em relação aos crimes de exploração sexual infantil entre 2022 e 2023, praticados contra crianças de o a 4 anos, o número é de 40 casos registrados no país. Enquanto isso, entre as vítimas de 5 a 9 anos, o total chega a 112 registros.

Em Goiás, o total de registros de 2022 a 2023, envolvendo os crimes de pornografia infantil contra crianças com idades entre 0 e 4 anos e 5 a 9 anos, somam 35 casos. Já em relação à exploração infanto-juvenil, nas mesmas faixas etárias e dentro do mesmo período de tempo, Goiás registrou apenas 3 casos. 

A delegada Sayonara Lemgruber, titular da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente de Aparecida de Goiânia (DPCA), observa que em sua grande maioria os agressores são homens que se aproveitam da confiança depositada neles para abusarem das vítimas.

A prática deste crime pode durar meses ou até mesmo anos, segundo a  delegada. “Isso porque até a criança ou o adolescente perceber que aquele ato não é um simples gesto de carinho, mas que na verdade trata-se de um abuso, leva tempo”, explica a delegada, ao afirmar que somente após essa percepção, a vítima consegue contar para um familiar ou até mesmo informar a escola onde estuda.

De modo geral, Lemgruber afirma que a DPCA recebe uma incidência de diferentes tipos de violência contra as crianças todos os dias, tanto aqueles que são cometidos no âmbito familiar ou mesmo fora dele, mas destaca que há uma maior incidência de crimes sexuais contra menores. “Temos uma incidência muito grande de crimes sexuais e crimes em detrimento da dignidade sexual dessas crianças e adolescentes. Então o estupro de vulnerável é algo que enfrentamos diariamente”, afirma.

Ela acrescenta que os crimes de maus tratos, abandono de incapaz, divulgação e armazenamento de pornografia infantil, também são frequentes.

O modus operandi dos criminosos é o mesmo, segundo a delegada. “Para aliciar os pequenos eles oferecem balas, dinheiro, energético, ameaçam também para o menor não contar sobre o abuso”. Geralmente as ameaças envolvem matar a mãe ou até mesmo, também abusar do irmão mais novo.

A DPCA de Aparecida realiza ações de combate a esse tipo de crime, porém, enfrenta dificuldades significativas no processo de investigação. Segundo Lemgruber, quanto mais tempo a vítima passou sendo abusada, mais difícil é para  a polícia chegar no culpado. Isso porque a criança tem dificuldade em confiar nas pessoas para revelar os abusos.

Além disso, muitas vezes, quando a criança ou adolescente toma coragem para compartilhar com alguém da família, esse responsável não acredita e apresenta resistência para denunciar e tomar as providências cabíveis. “Tem casos ainda que o responsável até acredita mas não quer prender o agressor por causa do parentesco. Não quer prender o tio, o avô ou até mesmo o genitor ”, comenta a delegada.

Para a polícia, conseguir despertar as pessoas para os sinais do abuso ainda no início pra criança não ser submetida aos crimes durante anos, esse é um grande desafio. A delegada alerta que quando esses sinais são percebidos de forma precoce, muitos traumas podem ser evitados.

Consequências psicológicas

Sandra Maria de Souza Barilli, psicanalista e doutoranda em psicologia pela Universidade de Ciências Empresariais e Sociais (UCES) em Buenos Aires, na Argentina, pesquisa atualmente os desejos e defesas das mulheres que vivenciaram o abuso sexual na infância.

Como estudiosa da área de traumas difíceis, principalmente aqueles causados em decorrência de abuso sexual, Barilli, afirma que essas consequências para o psiquísmo ou organismo humano, podem ser observadas a curto e a longo prazo.

Não é atoa que a violência sexual está classificada como um dos piores traumas da humanidade, perdendo até mesmo para os traumas de guerra. “São os piores porque são tipos de conteúdos que podem contribuir para uma formação da estrutura psíquica que não seja uma estrutura favorável para o indivíduo”, comenta a especialista.

De forma imediata, ao ser abusada, a criança entra numa confusão mental que pode misturar um possível ‘prazer’ e a não compreensão. Em decorrência dessa confusão mental, duas coisas podem ocorrer. “ A criança pode reprimir esse conteúdo tornando assim a vida mais possível naquele momento, mas se esses mecanismos de defesa não estiverem prontos, ocorre o que chamamos de implosão interna”, explica a psicanalista, ao destacar que a criança não consegue processar todo aquele conteúdo.

“Quando tais conteúdos são maiores do que se pode suportar eles funcionam como um material indigesto e de alguma forma farão mal. Assim, esse material é jogado no inconsciente”, detalha.

De uma forma prática, Barilli explica que a criança irá mudar de comportamento. Ela pode se tornar mais agressiva, começar a comer mais ou não comer de jeito nenhum, passar a ter problemas alimentares, dificuldade para dormir ou mesmo ficar em um estado depressivo onde acaba dormindo muito. “Além disso, a criança pode desenvolver uma maturidade precoce e uma sexualidade precoce também”.

Quanto mais nova a criança, piores as consequências 

As consequências na vida adulta também são amplas, que também afeta a alimentação, desenvolve problemas com “pulsão de morte”, apresentar comportamentos autodestrutivos como o uso de drogas, uso de álcool, medo da vida, insegurança, sentimento de culpa, dificuldade em progredir na vida sexual e dificuldade em progredir nos diversos  relacionamentos.

“Muitas pessoas pensam: ‘Não, mas ele tinha só um aninho o bebê nunca vai lembrar disso’”, comenta Barilli, ao destacar que quanto mais nova a criança maiores serão as consequências.

A psicanalista explica que o psiquismo utiliza dos mecanismos de defesa para não ser destruído diante da exposição ao crime sexual. Assim, a criança possui menos mecanismos de defesas desenvolvidos do que um adolescente por exemplo. “A pessoa com dezesseis anos passar pelo trauma do abuso sexual é terrível, mas a sua estrutura psíquica já está pronta. Agora no caso de uma criança de três aninhos, por exemplo, esses mecanismos ainda estão em formação e dessa forma, serão afetados”, explica a psicanalista.

Sandra orienta que é importante a percepção dos pais, responsáveis ou qualquer pessoa que observe a criança diariamente, para que essa vítima tenha ajuda profissional imediatamente e para que esta criança ou adolescente receba o acolhimento necessário. “Daquele momento em diante, essa criança precisa ser protegida, para que ela entenda que não é culpada e que existe um espaço para ela contar sem ser classificada de alguma forma ou condenada pelo que ela vivenciou”, finaliza.

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