Sem testes, profissionais da Saúde de Goiânia temem contágio
Mais da metade dos profissionais de saúde atingidos pela doença são técnicos de enfermagem e médicos| Foto: Wesley Costa
Igor Caldas
Em Goiânia há quase 800 casos confirmados de Covid-19 em profissionais da Saúde. Esses trabalhadores estão na linha de frente de combate da doença e sofrem com falta de testes para o Coronavírus, precisando trabalhar sem serem testados mesmo quando ocorre uma confirmação de doença em algum colega de trabalho. Mais da metade dos profissionais de saúde atingidos pela doença são técnicos de enfermagem e médicos. Juntos, representam 54% dos contaminados.
Ontem o Sindicato dos Trabalhadores do Sistema Único de Saúde no Estado de Goiás (Sindsaúde/GO) comunicou o falecimento de mais um profissional da saúde em Goiânia. Arione Luiz da Silva, 59 anos, apelidado carinhosamente de “Nene” pelos colegas, era servidor da Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia (SMS) e exercia o cargo de recepcionista no Centro de Referência e Ortopedia e Fisioterapia (Crof). O trabalhador lutava contra a Covid-19 desde o início de junho e faleceu na madrugada de domingo na UTI da Maternidade Célia Câmara. Ele deixa esposa e filhos.
No Centro de Atenção Psicossocial Esperança, um médico foi afastado por testar positivo e a mãe de uma das técnicas de enfermagem faleceu por complicações da Covid-19 na última semana. De acordo com Edinaldo Marques Neves, membro do Conselho Local de Saúde da Região, a técnica não foi testada por não apresentar sintomas, mas conseguiu um atestado de afastamento do trabalho por 14 dias. “A prefeitura diz que não tem condições de testar os profissionais de saúde que não apresentam sintomas”, lamenta Edinaldo.
O líder comunitário, que faz tratamento na unidade de saúde, diz que todos os servidores estão muito preocupados com a situação. “Todos os residentes aqui são idosos, alguns deles abandonados pela família e com problemas psiquiátricos. Pense como essas pessoas estão em risco? Elas precisam ser testadas”, defende. Edinaldo ainda diz que o próprio gestor já solicitou os testes por meio de ofício, mas sempre tem a mesma negativa da Secretaria Municipal de Saúde.
Ele ainda declara que o médico afastado atendia diariamente muitos pacientes com outros funcionários trabalhando em proximidade, um sério risco de contaminação. “Alguns destes profissionais têm problemas de saúde, mas não podem ser testados porque não apresentam sintomas”, afirma. O líder comunitário afirma que o clima na unidade de saúde está tenebroso. “O pessoal trabalha com medo de levar a doença para dentro de casa e contaminar outros pacientes. Eles não têm tranquilidade para trabalhar”.
Temor no trabalho
A presidente do Sindsaúde, Flaviana Alves, afirma que a tensão e temor no ambiente de trabalho nas unidades de saúde não são exclusivos do Caps Esperança. No entanto, defende que os locais com residentes em grupo de risco deveriam ser prioridade. “Um local como esse deveria ser prioridade em testagem. O Sindicato encaminhou um ofício para SMS e a Fátima Mrué, titular da pasta, respondeu que o protocolo é testar somente os profissionais que estiverem quem sintomas”, declara a presidente do Sindsaúde.
De acordo com a decisão judicial em recurso à ação civil pública acionado pelo Conselho Federal de Enfermagem à Justiça Federal garante aos profissionais de Saúde, em especial de Enfermagem, o direito de realização de testes para Covid-19, mesmo que não apresentem sintomas clínicos. Flaviana diz que a decisão judicial não mudou o discurso da Secretaria Municipal de Saúde. “Mesmo anexando a decisão em inúmeros ofícios, a reposta permanece a mesma, contrariando a decisão da Justiça federal”.
A decisão foi proferida pelo desembargador Jirair Aram Meguerian, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) e determina que a União coordene ações do Sistema Único de Saúde (SUS) para ampla testagem dos profissionais, inclusive dos assintomáticos. Ele também determinou que fossem disponibilizados locais apropriados para que os profissionais que testarem positivo para Covid-19 cumpram o período de quarentena, desde que comprovadamente tenham trabalhado na linha de frente do combate à doença.
Protocolo de testagem
A SMS afirma que pelo Protocolo do Ministério da Saúde só se deve testar profissionais de saúde que estejam sintomáticos, não há indicativos de testagem pela questão do contato. Mas a partir de ontem (22) a Secretaria vai dar continuidade a testagem dos profissionais de saúde da SMS. A pasta informa que realizou cerca de 5 mil testes em trabalhadores da saúde que estão na linha de frente do combate à Covid-19.
Profissionais ameaçam paralisação por falta de testes
A presidente do Sindsaúde Goiás anuncia que se a situação de testagem de profissionais de saúde continuar apenas para servidores que apresentarem sintomas haverá paralisação. “Vamos começar a parar de trabalhar até sermos testados e podermos trabalhar com segurança”. No entanto, ela declara que a decisão de parar não seria para locais de atendimento em urgência. “Claro que nos atendimentos em locais de urgência continuaríamos trabalhando”.
Além da decisão judicial, Flaviana diz que os ofícios enviados para a pasta estão repletos de justificativas para efetuar a testagem nos profissionais da saúde. “Os trabalhadores têm família, filhos, pessoas idosas e com comorbidades em casa e atendem inúmeras pessoas diariamente”. Ela alega que o profissional de saúde pode estar formando uma corrente de contaminação se carregar o vírus e estiver assintomático.
Flaviana exemplifica o caso no setor Itatiaia onde servidores descobriram que estavam contaminados com o vírus porque fizeram a testagem pela Universidade Federal de Goiás. “Eles nem tinham sintomas, mas testaram positivo. Imagina quanta contaminação essas pessoas não estariam espalhando se mantivessem o atendimento nas unidades de saúde sem saberem que estavam com o vírus?” Ela reitera que as profissionais que testaram positivo moram com idosos e crianças pequenas.
A sindicalista destaca que as unidades de saúde têm circulação intensa de pessoas. “Não tem jeito, se esses profissionais assintomáticos contaminados continuarem em atendimento, a quantidade viral se multiplica no local. O risco de vida é muito grande.” Flaviana revela que há muitos trabalhadores da saúde em estado grave causado pela Covid-19. Ela cita pelo menos mais três unidades de saúde de Goiânia com profissionais doentes de Covid-19 em estado grave. “A situação está crítica”, lamenta.
Insalubridade
Um projeto apresentado na Assembleia Legislativa pelo deputado Julio Pina (PRTB) prevê direito ao grau máximo do adicional de insalubridade aos profissionais da Saúde de Goiás e também aos trabalhadores da área em contato direto com contaminados pelo novo Coronavírus.
Além de prever pagamento do adicional, a matéria também garante o direito à indenização posterior, caso empregadores não respeitem a lei. O deputado Julio Pina afirma que a proposta tem o objetivo de valorizar e reconhecer os profissionais da linha de frente do combate à pandemia. Ele diz que o esforço dos profissionais de saúde no combate à pandemia é imenso e que os trabalhadores que estão colocando a própria vida em risco estão expostos a uma alta carga viral. (Especial para O Hoje)