Reforma administrativa dará flexibilidade ao governo, diz secretário
Segundo Wagner Lenhart, da Gestão e Desempenho de Pessoal do Ministério da Economia, proposta não foi construída de “costas para os servidores públicos” e garantirá condições de trabalho e salários pagos em dia, no futuro | Foto: Agência Brasil.
A reforma administrativa dará ao
governo maior flexibilidade e capacidade de adaptação às mudanças tecnológicas
e na sociedade. Essa é a avaliação do secretário de Gestão e Desempenho de
Pessoal do Ministério da Economia, Wagner Lenhart, em entrevista à Agência
Brasil.
O primeiro passo para a reforma
começou com o envio pelo governo, no último dia 3, da Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) nº 32 ao Congresso Nacional. A principal mudança na
avaliação do secretário é a que prevê a criação de cinco novos vínculos na
administração pública: vínculo de experiência (ainda com uma etapa do concurso
público); cargos típicos de estado (com estabilidade); cargos com vínculo por
prazo indeterminado; vínculo por prazo determinado (substituirá a contratação
temporária); cargos de liderança e assessoramento (contrato por seleção
simplificada e parcela de livre nomeação).
Entretanto, ainda há um caminho a
ser percorrido para que as mudanças tornem-se efetivas. Além da aprovação da
PEC no Congresso, o governo ainda precisará enviar projetos de lei sobre gestão
de desempenho; modernização das formas de trabalho; consolidação de cargos,
funções e gratificações; arranjos institucionais; diretrizes de carreiras; e
ajustes no Estatuto do Servidor.
Na terceira fase, o governo
enviará o Projeto de Lei Complementar (PLP) do Novo Serviço Público, com o novo
marco regulatório das carreiras; governança remuneratória; e direitos e deveres
do novo serviço público.
Quanto tudo for concluído, as
novas regras valerão para os futuros servidores civis da União, estados e
municípios dos três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário. A proposta
do governo não altera as regras para os atuais servidores nem para os membros
do Poder Judiciário, que são os juízes, desembargadores e ministros, do Poder
Legislativo – deputados e senadores – e do Ministério Público, que são promotores
e procuradores. Entretanto, o Congresso Nacional durante a tramitação da PEC
pode fazer alterações no texto e incluir os membros dos poderes na reforma.
Na Câmara dos Deputados, a
tramitação começará pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania
(CCJ), para análise da admissibilidade. Depois, o texto segue para uma comissão
especial, que avaliará o mérito. A última etapa é no plenário da Câmara dos
Deputados para então o texto seguir para o Senado Federal.
Em entrevista à Agência Brasil,
Wagner Lenhart conta que espera aprovação rápida da proposta, mas preferiu não
definir um prazo. Ele destacou que o governo está “aberto” para aprimoramentos
no texto pelo Congresso Nacional, mas ao final do processo espera que a PEC
viabilize “a modernização da administração pública”. Lenhart disse ainda que a
proposta não foi construída de “costas para os servidores públicos” e garantirá
condições de trabalho e salários pagos em dia, no futuro.
Agência Brasil: Qual é a
expectativa do governo com relação ao tempo de tramitação da PEC?
Wagner Lenhart: O processo de
emenda à Constituição não é simples. Tem uma tramitação mais complexa pela
própria natureza da mudança. Então, não é algo que se faz da noite para o dia.
Mas temos expectativa de que seja um prazo curto de tempo. A gente sabe que há
um interesse de líderes do Congresso de ver a pauta avançar. O presidente [da
Câmara dos Deputados] Rodrigo Maia constantemente tem destacado a importância
da reforma.
Agência Brasil: O governo espera
por muitas modificações no texto ou tem se articulado para manter a maior parte
da proposta enviada ao Congresso?
Wagner Lenhart: É um projeto que
a gente está trabalhando há bastante tempo. Buscamos referências e colocamos no
texto aquilo que entendemos que é a melhor proposição para esse movimento de
transformação da administração pública. Mas sabemos que o texto pode ser
melhorado e o Congresso Nacional vai fazer um debate amplo sobre isso.
Esperamos que aquilo que tem de mais importante na proposta seja mantido.
Estamos sempre abertos para receber aprimoramentos do texto. Nosso objetivo é
que ao final deste processo a gente tenha a melhor emenda à Constituição
possível, que viabilize os outros passos que fazem parte dessa jornada de
modernização da administração pública.
Agência Brasil: Ainda são
necessárias mais duas fases para a conclusão da reforma, além do envio da PEC.
Os projetos de lei serão enviados ao Congresso durante a tramitação da PEC ou
só depois da aprovação?
Wagner Lenhart: Qualquer processo
de transformação da administração pública, em qualquer país que já enfrentou
essa temática, não se faz com uma bala de prata, não se faz da noite para o dia
em um único ato. É necessário um conjunto de ações. O processo se inicia e
vamos trazendo outros elementos. A apresentação da PEC é um marco muito
importante, mas tem continuidade nesses projetos. Alguns deles independem da
mudança constitucional e podem ir antes da promulgação e outros dependem da
admissão da emenda pelo Congresso Nacional.
Agência Brasil: Quais projetos já
podem ser enviados?
Wagner Lenhart: Vou dar dois
exemplos. Um deles relacionado a gestão de pessoas e outro relacionado a
estruturas organizacionais. O PLP [Projeto de Lei Complementar] de gestão de
desempenho [prevê demissão de servidor em caso de insuficiência de desempenho]
já poderia ir agora porque já está previsto no texto constitucional de hoje. O
artigo 41 já determina que lei complementar deve trazer os regramentos dessa
questão. Pode ser encaminhado no momento que o governo e o Congresso acharem
oportuno. E o segundo projeto é de arranjos institucionais com revisão de um
decreto da década de 60.
Agência Brasil: Já há definição
sobre quando esses dois projetos serão enviados?
Wagner Lenhart: Esses projetos
foram sendo trabalhados em paralelo com PEC. Já estão em estágio avançado. Mas
a questão é de definição do momento político – o momento que o Congresso
entende que é oportuno receber esses textos. Então isso tudo depende desse
ajuste político. Não adianta sobrecarregar o Congresso com muitas temáticas.
Agência Brasil: Quais os
principais pontos que o senhor considera como fundamentais na proposta?
Wagner Lenhart: O ponto mais
importante é a transformação do vínculo jurídico único em um conjunto de cinco
vínculos distintos. Essa é a mais profunda. Hoje temos o mesmo regime de
estabilidade para todos os servidores – do policial federal ao operador de
videocassete. Quando a gente olha para o serviço público ao redor do mundo,
principalmente aqueles que oferecem um serviço de excelência, vemos que o nosso
sistema atual não é adequado. Talvez fosse adequado quando foi criado na década
de 80. Mas sabemos como o mundo mudou, o mercado de trabalho mudou, as novas
tecnologias impactaram a nossas vidas. As organizações precisam de agilidade,
de capacidade de adaptação, de fazer ajustes rápidos. No sistema atual, o
governo tem muita dificuldade de acompanhar essas mudanças. Essa transformação
que a gente está propondo não é simples, é algo estrutural que vai ter impacto
nos próximos anos – daqui cinco, dez, 15, 20 anos. O vínculo de experiência é
uma transformação do que hoje é o estágio probatório que não funciona. Além
disso, as vedações das vantagens e benefícios que estão deslocados dos
brasileiros e do mercado de trabalho é algo que consideramos uma questão de
justiça, de entender a realidade da maioria da população e saber que quem paga
a conta do estado são todos os brasileiros. Especialmente no nosso regime
tributário em que os mais pobres é que pagam muito imposto. Então temos que ter
muito respeito com cada real que é gasto pela administração.
Agência Brasil: O governo contou
com a participação de servidores e entidades representativas na elaboração da
proposta de reforma?
Wagner Lenhart: Muitos servidores
públicos efetivos participaram da elaboração desse texto. A gente tem
conversado com as entidades representativas, mas em nível conceitual, sem
entrar em detalhes. A gente não debateu sobre o texto propriamente. Conversamos
com especialistas, fomos buscar referências internacionais.
Esse é um projeto com grande
impacto social porque melhorar o serviço publico é conseguir atender melhor nas
escolas, nos postos de saúde, dar segurança. E vai ser bom também para o
servidor. A gente não construiu tudo isso de costas para o servidor, a gente
construiu isso junto com eles. É muito importante que a gente faça esse
movimento para pagar o salário em dia, para dar condições de trabalho para o
servidor.
Agência Brasil: A reforma prevê
maior tempo para efetivação no cargo e, no futuro, a ideia é que os salários de
entrada no serviço público sejam menores. Isso não retira a atratividade do
serviço público?
Wagner Lenhart: A palavra-chave é
equilíbrio. A gente tem uma preocupação muito grande de manter a atratividade
do serviço público. Precisamos trazer pessoas talentosas, com boa formação e
que vão desempenhar bem a sua função. Há diversas ferramentas para manter essa
atratividade. Queremos um sistema que não seja muito descolado da realidade do
restante dos trabalhadores brasileiros mas, ainda assim, seja atrativo. A ideia
é não só atrair, mas reter os talentos na administração, motivá-los.
Historicamente, a gestão de pessoas no serviço público da União, estados e
municípios tem sido negligenciada. Não tem tido o protagonismo que deveria ter.
No mundo de hoje, o grande diferencial de uma organização bem-sucedida, seja
pública ou privada, são as pessoas. Vamos trabalhar de maneira mais
estratégica, em vez de ser uma unidade meramente operacional que roda a folha
de pagamento.
Agência Brasil: A proposta de
reforma administrativa prevê a possibilidade de demissão de servidores por
decisão judicial sem a necessidade de trânsito em julgado. Essa regra valerá
para os atuais servidores?
Wagner Lenhart: Essa disposição,
sim. É pontual, não é transformadora, não muda a natureza. Isso vai ao encontro
do que já está sendo debatido em relação à prisão, que seja considera a segunda
instância e não o trânsito em julgado. Na maior parte das democracias do mundo
é dessa forma – a decisão por colegiado já têm seus efeitos imediatos.
Agência Brasil: Qual a garantia
de que servidores com vínculo por prazo indeterminado não serão demitidos por
questões políticas ou por decisão pessoal de um gestor?
Wagner Lenhart: É uma preocupação
legítima das pessoas que pretendem prestar concurso. No texto da PEC, há um
dispositivo que prevê que é vetado o desligamento por questões
político-partidárias. No caso do prazo indeterminado, serão previstas em lei as
possibilidades de desligamento. O Congresso vai definir em que situações isso
será possível. Significa dizer que não vai poder desligar por questões de
preferência pessoal. Vai ter que respeitar o princípio da impessoalidade, vai
ter processo administrativo, o desligamento terá que ser fundamentado, vai ter
direito a ampla defesa. Todos esses cuidados vão continuar existindo mesmo para
o grupo com vínculo com prazo indeterminado. E o judiciário estará presente
como última salvaguarda se ocorrer casos de injustiça.
Agência Brasil: Na prática, como
poderá haver a demissão para os servidores contratados por prazo indeterminado?
Wagner Lenhart: Vou dar um
exemplo de possibilidade que pode ser prevista na lei que o Congresso vai
debater depois. A França fez reforma no ano passado e uma das previsões é a
possibilidade de se fazer o desligamento em caso de obsolescência da atividade,
ou seja, se foi contrato para uma atividade, que com o passar do tempo e o
desenvolvimento tecnológico a atividade se tornou-se desnecessária. Não é um
desligamento para uma pessoa especificamente, mas de um grupo. Esse exemplo
ilustra muito bem por duas reações: é algo que aconteceu na França e também
porque é fácil entender, de visualizar.
Agência Brasil: Como vai
funcionar o vínculo de experiência para os novos servidores públicos?
Wagner Lenhart: O vínculo de
experiência vai fazer parte do concurso. Nós entendemos que além do
conhecimento técnico, avaliado atualmente na prova, tem um componente
fundamental que é a prática, se aquela pessoa consegue entregar os resultados
que se espera. O vínculo de experiência vai ser uma etapa para que o candidato
comprove que tem capacidade. A ideia não é que todos sejam aprovados, mas que
haja um sistema competitivo. Haverá um percentual, que vai ser definido por
edital, de servidores que serão conduzidos ao cargo efetivo.
Agência Brasil: Dois anos de
vínculo de experiência para servidores nos cargos de estado não é muito tempo?
Wagner Lenhart: É um tempo
adequado com certo paralelo do que existe no estágio probatório para
demonstração da aptidão prática. Nos pareceu um tempo adequado para fazer esse
tipo de movimento.
Agência Brasil: Quais carreiras
serão consideradas de estado e, consequentemente, terão estabilidade?
Wagner Lenhart: O momento adequado
de fazer esse debate vai ser na regulamentação da emenda. Não nos parece que
seria adequado fazer esse detalhamento dentro do texto da Constituição até para
que não fique mais extensa do que deveria. Essa definição de quais carreiras
serão típicas de estado, os conceitos, critérios para serem classificadas dessa
forma, é um debate que vai ser feito dentro da esfera do Executivo, com o
Congresso Nacional, com as instâncias representativas, com a sociedade, para
que haja uma definição correta, coerente.
Agência Brasil: A eliminação de
benefícios, como férias acima de 30 dias ou aposentadoria compulsória como
punição, valerá para os atuais servidores?
Wagner Lenhart: Nenhum dessas
questões se aplicam imediatamente. Muito desses temas estão previstos em lei de
estados e municípios. A emenda à Constituição não altera nada para os atuais
servidores. Só estabelece vedação para os novos servidores. Cada ente vai poder
fazer um movimento. Na administração federal, muitos desses benefícios foram
abolidos há anos, como a questão da incorporação [salário de valores referentes
ao exercício de cargos e funções]. (Agência Brasil)