Empresas e famílias devem 34,6% mais do que a dívida dos governos
Dívida de empresas e famílias chega a 89,4% do PIB – Foto:Reprodução
Lauro Veiga
A
dívida financeira das empresas e das famílias foi alçada a níveis recordes em
agosto deste ano, passando a representar qualquer coisa ao redor de 89,4%.
Praticamente metade do crescimento observado em relação a agosto do ano passado
deveu-se ao aumento na contratação de empréstimos e financiamento e perto de
49% correspondeu à contribuição da desvalorização do real frente a moedas
estrangeiras, sobretudo o dólar, o que tornou a dívida externa mais pesada para
aqueles setores. As séries de estatísticas do Banco Central (BC) nesta área
mostram ainda que o endividamento privado continua superando o crédito ampliado
contratado pelos governos (União, Estados e prefeituras), que tem crescido até
mesmo em velocidade menor nos últimos meses.
Mais
claramente, empresas e famílias sempre deveram mais aos mercados do que o setor
público em seu conjunto. Mas quem detém o monopólio da emissão de moeda é o
governo central, “dono” da parcela maior da dívida pública. Os números do BC
mostram que o chamado “crédito ampliado” contratado pelo setor privado
experimentou alta nominal de 16,14% entre agosto do ano passado e igual mês
deste ano, saindo de R$ 5,535 trilhões para R$ 6,428 bilhões. Na comparação com
o Produto Interno Bruto (PIB), o endividamento de empresas e famílias avançou
de 77,8% para 89,4% – o mais alto da série histórica.
O
crédito ampliado destinado ao governo geral, critério que difere daquele adotado
para aferir o tamanho da dívida pública, apresentou variação de 9,29% naquela
mesma comparação, avançando de R$ 4,368 trilhões para R$ 4,774 trilhões e
passando a corresponder a 66,4% do PIB (frente a 61,4% no mesmo mês do ano
passado). Em outro tipo de comparação, o crédito ampliado concedido a empresas
e famílias havia sido 26,7% mais alto do que aquele contratado pelos governos.
Mas, em agosto deste ano, a diferença elevou-se para 34,64%.
Pressão do
câmbio
Ainda
no setor privado, o saldo de empréstimos e financiamentos contratados no
sistema financeiro registrou alta de 13,04% no período analisado, passando de
R$ 3,417 trilhões em agosto de 2019 para R$ 3,754 trilhões neste ano. O salto
foi maior no estoque de dívidas contratadas por empresas e famílias em moeda
estrangeira, refletindo a alta do dólar e de outras moedas em relação ao real
brasileiro. O estoque da dívida externa privada cresceu 31,7% desde agosto do
ano passado, quando somava R$ 1,378 trilhão, atingindo R$ 1,815 trilhão em agosto
deste ano. A nova rodada de desvalorização do real, observada nos últimos dias,
deverá contribuir para nova elevação do estoque da dívida externa também em
setembro.O volume de títulos de dívida emitidos pelo setor privado avançou de
forma mais modesta, apresentando variação de 6,27% frente a agosto do ano
passado, saindo de R$ 739,9 bilhões para R$ 786,3 bilhões.
Balanço
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No
lado do governo geral, os títulos da dívida interna, descontados os papéis
mantidos na carteira do BC (ou seja, não negociados no mercado financeiro),
mostraram evolução de 10,06% sempre comparando agosto deste ano e o mesmo mês
de 2019. O estoque dessa dívida passou de R$ 3,467 trilhões para R$ 3,815
trilhões.
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Ainda
no governo geral, o estoque de dívida expresso em títulos referenciados em
moeda estrangeira em mãos de estrangeiros, mas negociados no mercado doméstico,
registraram leva recuperação de julho para agosto, saindo de R$ 341,4 bilhões
para R$ 359,0 bilhões (mais 5,16%). Mas mantiveram-se quase 20,0% mais baixos
do que em agosto de 2019 (R$ 446,8 bilhões).
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Análise
divulgada ontem pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial
(Iedi) mostra que o avanço das novas operações de empréstimo e financiamento
deveu-se especialmente à liberação de linhas de crédito extraordinárias para as
empresas – o que reforça a relevância do chamado crédito direcionado para fazer
frente a momentos de crise e retração do mercado.
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“A
pandemia de Covid-19 ilustra este aspecto anticíclico”, anota o instituto. Com
base em dados do BC, as concessões totais de crédito (que correspondem a novos
empréstimos e financiamentos concedidos pelos bancos) experimentaram
crescimento real, descontada a variação do Índice Nacional de Preços ao
Consumidor (IPCA), de 5,8% no acumulado entre janeiro e agosto deste ano,
frente aos mesmos oito meses do ano passado. “O crédito oficial, denominado
pelo BC de crédito direcionado, avançou 37,7% neste mesmo período”, aponta o
Iedi.
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A
participação das operações direcionadas no total dos novos créditos contratados
por pessoas jurídicas e pessoas físicas ficou limitada a 11% neste ano. Mas o
aumento no valor total do crédito oficial, sujeito a regulamentações
específicas, incluindo taxas de juros e prazos definidos pelo Conselho
Monetário Nacional (CMN), explicou 53% do crescimento total das concessões
reais em relação ao acumulado entre janeiro e agosto de 2019.
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No
trimestre junho a agosto deste ano, comparado ao mesmo período de 2019, o
crédito direcionado saltou 61,5% em termos reais, com alta de 69,4% apenas em
agosto, “alavancada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES)”, com aumento de 46,2% no setor corporativo e de 75,7% no financiamento
imobiliário contratado pelas famílias.
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Mas
no segmento de crédito livre, ou seja, em condições livremente pactuadas entre
tomadores e bancos, “mais sujeitas ao quadro de grandes riscos e incerteza
decorrentes da pandemia”, sustenta o Iedi, as concessões recuaram 3,5%. “Com
isso, a evolução no acumulado de 2020, que era de 20% até março, vem perdendo
dinamismo, registrando variação de apenas 3% no período de janeiro a agosto”,
considera ainda o instituto.