Salto no terceiro trimestre “esconde” economia frágil e sob risco nos EUA
Dados mostram uma recuperação limitada em comparação ao desastre econômico do segundo trimestre nos EUA – Foto: Reprodução
Lauro Veiga Filho
Os
dados ainda preliminares sobre o comportamento da economia dos Estados Unidos
no terceiro trimestre deste ano, divulgados ontem pelo escritório de análises
econômicas do Departamento de Comércio (similar ao Ministério da Indústria,
Comércio Exterior e Serviços, encampando pelo Ministério da Economia desde o
ano passado), mostram uma recuperação limitada na comparação com o desastre
registrado no segundo trimestre, uma atividade econômica ainda abaixo dos
níveis de 2019 e largamente sustentada pelas políticas de auxílio econômico
adotadas desde a pandemia. O salto de 33,1% anunciado nem de longe reflete a
realidade do trimestre e, ao contrário do que o número estrondoso sugere, não
mostra a tal retomada em “V”, o mais novo fetiche do superministro dos mercados
e sua turma por aqui.
Para
ficar claro, a economia não sofreu um tombo de 31,4% no segundo trimestre e nem
cresceu 33,1% no terceiro. Os EUA detêm o monopólio de coisas únicas e
estranhas em suas contas nacionais e preferem projetar a taxa de crescimento
registrada pelo Produto Interno Bruto (PIB) em um trimestre para os 12 meses
seguintes (quatro trimestres), como se o mesmo resultado fosse se repetir
trimestre a trimestre. Comparado ao trimestre imediatamente anterior, o PIB
havia encolhido 1,8% no segundo trimestre e teria avançado 3,6% no trimestre
seguinte, já que os números são ainda preliminares. Mas, mesmo com base nessa
contabilidade, a matemática sugere que a economia sequer conseguiu repor as
perdas do segundo trimestre, enquanto o país mergulha em uma segunda onda de
infecções e mortes, com alguns Estados já adotando medidas mais restritivas à
circulação de pessoas, o que certamente afetará o desempenho da economia neste
último trimestre do ano, deixando sequelas e incertezas para o começo de 2021.
Considere,
apenas para simplificar e ilustrar o raciocínio, que o PIB estivesse num nível
hipotético igual a 100 pontos antes da pandemia. Neste caso, o tombo de 31,4%
registrado no segundo trimestre teria reduzido aquele nível para 68,6 pontos.
Para voltar aos níveis anteriores, portanto, a economia teria que operar um
salto de 45,8%, em grandes números. O “avanço” de 33,1% ainda deixa o PIB em
torno de 8,7% mais baixo do que no período imediatamente anterior à crise.
Longo
caminho
O
mesmo vale para o consumo de bens e serviços, que despencou 33,2% no segundo
trimestre e saltou impressionantes 40,7% no terceiro (sempre lembrado que os
dados correspondem a uma primeira prévia oficial sobre o PIB do período).
Feitas as contas, o consumo ainda estaria quase 6,0% menor do que antes da
crise. Avaliem, raras leitoras e raros leitores, a situação do consumo de
serviços, uma das áreas mais afetadas pela crise e que responde por fatia
importante do PIB. O setor registrou baixas de 9,8% e de 41,8% no primeiro e no
segundo trimestres deste ano, pela ordem, para apresentar um crescimento exuberante
de 83,0% no terceiro. Seria preciso avançar em torno de 12,9% apenas para
voltar aos níveis do final de 2019, em números muito aproximados.
Balanço
·
Os
dados trimestrais apontam um cenário ainda de retração, sempre quando se toma
como base igual período do ano passado, com a queda de 9,0% observada no
segundo trimestre seguida por perdas de 2,9% no terceiro trimestre, o que torna
virtualmente inevitável uma redução do PIB norte-americano neste ano, depois de
ter avançado em torno de 2,2% em 2019.
·
O
consumo de bens e serviços sofreu nova baixa no terceiro trimestre, caindo 2,9%
em relação aos mesmos três meses do ano passado, e já havia desabado 10,2% no
segundo trimestre. O consumo de serviços, analisado isoladamente, encolheu
14,0% e 7,2% respectivamente no segundo e no terceiro trimestres.
·
O
investimento privado parece estar em pior forma e ameaça acumular o quarto
trimestre consecutivo de queda (apenas para ressaltar, serão 12 meses de
encolhimento caso a primeira estimativa para o terceiro trimestre venha a
prevalecer). O Departamento de Comércio já havia anotado redução de 1,0% no
quarto trimestre de 2019 (sempre em relação a idêntico intervalo do ano
anterior), seguida de baixas de 4,2% no primeiro trimestre deste ano, de 16,9%
no segundo e de 3,8% no terceiro.
·
Uma
fatia relevante do crescimento do consumo das pessoas durante os primeiros
trimestres da pandemia foi assegurada pelas transferências de renda para as
famílias e donos de empresas, como forma de compensar ainda que parcialmente as
perdas trazidas pela crise e pelo desemprego, impedindo um mergulho ainda mais
dramático da economia.
·
Segundo
dados oficiais, as transferências relacionadas diretamente à crise gerada pela
Covid-19 atingiram pouco menos de US$ 2,325 trilhões no segundo trimestre deste
ano, o que correspondeu a 11,4% de toda a renda pessoal no período. A ajuda
havia permitido que a renda experimentasse um avanço de 7,6% frente primeiro
trimestre (sem o auxílio federal, a renda teria sofrido baixa de 4,6%). A renda
disponível, descontados impostos, cresceu 9,6%, permitindo que famílias, donos
de fazendas e de empresas acumulassem uma reserva inédita de US$ 4,711
trilhões, correspondente a 25,7% da renda disponível. Para se ter uma ideia, no
segundo trimestre de 2019, a poupança das famílias havia representado 7,3% da
renda que sobrou depois dos impostos.
·
Em
torno de 41,0% dessa poupança foram torradas no terceiro trimestre, com as
reservas baixando para US$ 2,783 trilhões (15,8% da renda disponível). O uso de
uma parte das reservas ajudou a elevar o consumo, já que o auxílio pago pelo
governo federal sofreu corte de 51,4% no terceiro trimestre, para US$ 1,129
trilhão. Como efeito dessa redução, a renda disponível sofreu baixa de 3,5% na
comparação com o segundo trimestre, baixando de US$ 18,301 trilhões para US$
17,664 trilhões.
·
Caso
o auxílio não seja renovado, a tendência é de que a poupança acumulada pelas
famílias não tenha mais fôlego para sustentar o consumo, o que significaria
aprofundar a crise neste final de ano e talvez mesmo nos primeiros meses de
2021.