Coveiros querem ser inseridos nos grupos prioritários
Grupo em Goiânia conta com 111 coveiros e outros profissionais similares que atuam na linha de frente | Foto: Wesley Costa
João Paulo Alexandre
A cada pá fincada no solo, cai uma gota de suor no rosto. Seres humanos que muitas vezes passam despercebidos dentro dos cemitérios, mas que estão ali presentes diariamente cumprindo seus ofícios. Em cada um deles, há marcas no corpo causadas pelo sol e a cada marca traz uma história de luto. Esses trabalhadores são os coveiros e eles clamam para serem respeitados e, acima de tudo, vacinados.
O pedido da classe pode ser encarado como algo ‘absurdo’ para alguns, mas foram nas mãos desses 111 funcionários que foram enterradas 2,650 mil vítimas fatais da covid-19. Como não classificá-los como parte de linha de frente, sendo que são eles que estão dando uma moradia digna para os entes de famílias que foram destroçadas com essa doença?
Um ofício já foi encaminhado ao presidente da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Humano e Social, José Antônio da Silva Netto, no último dia 25 de janeiro. Os trabalhadores ainda aguardam um posicionamento por parte da pasta. O documento descreve a quantidade de trabalhadores que atuam nos cemitérios da Capital: 17 no Vale da Paz, 19 no Santana, 25 no Parque, 21 no Jardim da Saudade, 11 servidores que ficam de plantão noturno na Central de Óbitos e 18 no plantão diurno.
O Hoje conversou com alguns desses coveiros que trabalham no Cemitério Vale da Paz e eles contaram um pouco do anseio de serem imunizados contra a doença. A reportagem não vai identificá-los para evitar qualquer tipo de represália. “A gente meio que acostumou com tudo isso, mas fica o receio ainda da doença. Ainda mais nessa nova onda de casos. Pediu a gente pediu. Agora chegar é outros quinhentos”, conta um dos trabalhadores.
Segundo ele, a rotina consiste em chegar às 7 horas da manhã, vestir o uniforme e olhar numa lista para saber quantas covas serão necessárias para ser abertas no local naquele dia que só termina às 19 horas da noite. A lista de velório de vítimas da covid-19 fica separada e, nesses casos, os coveiros são obrigados a utilizarem trajes especiais. A roupa consiste em um macacão branco, máscara e viseira de acrílico para evitar a contaminação pelo novo coronavírus.
“É uma roupa muito quente. Já teve vezes de ficarmos embaixo do sol enquanto havia todo o procedimento do velório. A gente aguarda a família se despedir, a oração, até quando a gente enterra o caixão. A gente tem que esperar e não podemos falar nada, pois a gente entende que é o último momento do adeus”, reforça.
Um segundo coveiro relata que há preocupação com os familiares deles. Isso porque eles sequer foram testados contra a doença desde o início da pandemia. “Se a gente pegou, a gente não sabe e foi sintomas bem leves. E tem mais um agravante, se alguém realmente pegar e ficar afastado, já sobrecarrega a gente, pois não tem ninguém para cobrir esse trabalhador”, conta.
Quadra 9
Essa é a identificação de onde estão enterradas todas as vítimas da covid-19 no cemitério. Segundo eles, cerca de 400 pessoas estão ali. A outra metade da quadra está com covas abertas e, quase que diariamente, uma linha com dez novos buracos são abertos. “Aqui a gente não sentiu que aumentou o número de enterros não. A gente nota que uma morte foi substituída pela outra. Se no início, a gente enterra muitos homicídios e acidentes, hoje a maioria dos casos são de Covid”, destaca um coveiro.
As histórias de enterros são inúmeras. Eles apontam que a terra do local está encharcada de tantas lágrimas. Eles relembram o primeiro enterro de vítima da Covid que foi realizado no cemitério. “A gente ficou com muito receio. Não sabíamos de nada. A gente abriu e fechou a cova e logo depois todo mundo se lavou com água, sabão e álcool.”
Em outro relato, os coveiros relembram que tiveram enterros em que familiares não quiseram comparecer no local. “As únicas pessoas que participaram foi a gente. A gente já viu de tudo aqui, mas foi uma sensação muito triste. Foi quase a mesma coisa de enterrar um indigente”, pontua outro trabalhador.
O mais recente de todos, segundo eles, foi um soldado de força policial. “A mulher dele gritava e falava ‘porque você foi mexer naquela maca’. A gente entendeu que ele foi socorrer alguém que estava com a doença, foi contaminado e não resistiu. E parece que ele era novo e não tinha nenhuma doença”, relata.
Os funcionários ainda apontam que há casos em que muitas famílias se aglomeram para dar o último adeus. A recomendação é que velórios de vítimas do covid-19 sejam acompanhados por, no máximo, quatro pessoas e à distância. “Já presenciamos velórios com muito mais pessoas que isso, mas não temos poder de falar nada. Tinha que ter um guarda municipal aí para ajudar na fiscalização”, finaliza. (Especial para O Hoje)