Devassa na gestão de Iris vai criar nova crise
Gestão passada não foi o paraíso vendido para a população e deixou uma herança de caos em matéria financeira e de obras inacabadas | Foto: Reprodução
José Luiz Bittencourt
A palavra que ninguém ousa pronunciar no noticiário sobre a turbulência política e administrativa na
prefeitura de Goiânia está despontando aos poucos no
falatório sobre a desventuras entre o MDB e Rogério
Cruz. Primeiro, mencionou-se na cerimônia do adeus
dos ex-secretários que uma auditoria estaria em andamento sobre contratos celebrados pelo ex-prefeito
Iris Rezende com empreiteiras para a recuperação do
asfalto de ruas e avenidas da capital. Depois, confirmou-se que os atos praticados nos últimos três da gestão de Iris passariam por uma revisão destinada a confirmar a sua correção e consolidação, quando necessária. Por último, veio a expressão que melhor define tudo o que está acontecendo no Paço Municipal: a
gestão passada está sob devassa.
Devassa é o que geralmente governantes que sucedem adversários fazem quando recebem a administração. É uma experiência pela qual Iris
nunca passou, como vítima ou alvo. Muitas vezes,
Iris assumiu o governo do Estado e até a mesmo a
prefeitura, em seus inúmeros mandatos, passando
o pente fino na máquina herdada e não poupando
seus antecessores. Ele fez devassas, mas ninguém
jamais fez isso com ele.
Rogério Cruz já está trilhando esse caminho sem
volta: assinou um decreto, determinando a “revisão
e consolidação dos atos normativos legais e/ou infralegais publicados nos últimos 90 dias do ano de
2020, para avaliação de aderência aos compromissos
da atual gestão”. A linguagem empolada não esconde o objetivo real a perseguir: ir fundo na gestão de
Iris, vasculhando os escaninhos atrás de irregularidades, para o quê o decreto de Rogério Cruz abriu um
amplo guarda-chuva ao recorrer à fórmula “atos normativos legais e/ou infralegais”.
O emprego do termo “infralegais” abre espaço para
se investigue tudo e não só os três meses finais. Na missa de réquiem do MDB, no Hotel Alphapark, quando
o grosso dos secretários indicados pelo partido pediu
demissão, dois deles já tocaram no assunto. Um foi o
ex-secretário de Planejamento Urbano Agenor Mariano, que fez a denúncia de perda de recursos superiores a R$ 330 milhões, relacionados a um empréstimo junto a Caixa Federal, por falta de utilização
na finalidade prevista, qual seja o recapeamento de
ruas e avenidas. Outro foi Euler Morais, afirmando que
tem cabimento submeter um prefeito que nunca teve
nada rejeitado pelos órgãos de controle, como Iris, a
um escrutínio das suas decisões, como estava anunciado que seria feito quanto aos contratos para o reasfaltamento de Goiânia.
Rotina, nada mais do que rotina, respondeu Rogério Cruz disfarçando a operação inquisitória
que já começou. E nem é novidade: desde os primeiros dias atual mandato, os corredores do Paço
Municipal inflamam-se com conversinhas sobre
malfeitos ou no mínimo incongruências e incorreções que passaram da administração passada para
essa. E, anotem aí, leitoras e leitores: os secretários
emedebistas, que agora arvoram-se em defensores
da honra e da pureza de Iris, também levantavam
e estimulavam essa fofoca, prenunciando fatos
graves que vêm por aí.
O ex-prefeito está longe de ter feito “a melhor administração da sua vida” nessa última passagem
pela prefeitura de Goiânia. O velho cacique deixou um
caos em matéria de logística de obras inacabadas e de
falta de dinheiro para a sua conclusão. Entre médias
e grandes, são 89 viadutos, duplicações, extensões e
construções diversas, inclusive alguns dos tão necessários CMEIs, tudo com menos de 50% do cronograma executado, em alguns casos pouco mais do que
os projetos de engenharia. Os tais R$ 1,2 bilhão de reais
que repetiu ter entregue em caixa também fazem parte dessa ficção que enganou todos os candidatos a prefeito, induzidos sem exceção a embarcar na promessa de dar continuidade a algo que mais se assemelha
a um reino de fantasia.
Iris está em silêncio. Não à toa, porque é difícil justificar o que ele fez, depois de apregoar o contrário.
Porém, está levando tanto tapa na cara que logo virá
a público para tentar explicar e, claro, responder com
a melhor estratégia, que será lançar fogo contra Rogério Cruz, instalando uma guerra de narrativas na
imprensa. O prefeito já avisou que, doa a quem
doer, as investigações prosseguirão. Sobre a suspensão dos contratos de asfalto, foi até objetivo: “Onde
existirem dúvidas e suspeitas, nós vamos investigar,
no meu governo não aceito corrupção, não posso ignorar uma suspeita levantada por quase metade da
Câmara de Vereadores, sobre um contrato de asfalto”.
Mais claro, impossível.
Obra de reasfaltamento
em Goiânia é caixa preta
que precisa ser aberta
Os 628,5 quilômetros de ruas
e avenidas de Goiânia que começaram a ser recuperados na
gestão de Iris Rezende, com
base em um financiamento parcelado de mais de R$ 700 milhões de reais, menos de 30%
utilizados, ainda vai render
muita polêmica.
A CEI proposta na Câmara
Municipal pelo vereador Santana Gomes acendeu o rastilho
das desconfianças sobre o
maior contrato para a execução
de uma obra pública em Goiás,
no momento.
Para começo de conversa,
ninguém sabe quem escolheu as
ruas e avenidas que foram recuperadas até agora. Trechos
notoriamente em péssimas condições ficaram para trás, priorizando-se outros que até poderiam ser considerados passáveis e foram restaurados.
A definição do preço é outra
dúvida. O recapeamento não é
o mesmo em cada via, há as que
demandam pouco serviço e algum asfalto e as que, piores, exigem muito mais. Onde estão os
estudos mostrando que essa peculiaridade foi atendida pelo
projeto e quanto foi pago por
cada metro quadrado? Foi feita
a necessária diferenciação entre
recapeamento e reconstrução?
Trechos de ruas e avenidas
que foram beneficiados não
resistiram às primeiras chuvas,
sugerindo serviço malfeito e
não fiscalizado. Foram feitos os
pagamentos? Onde estão os
laudos técnicos? As dúvidas,
como se vê, são inúmeras. Mas
a busca de resposta através
de uma auditoria vai levar a
uma crise entre Iris e Rogério
Cruz como nunca se viu. E
será um milagre se não aparecer nada de errado. (Especial
para O Hoje)