Os efeitos do desgaste ambiental na propagação da pandemia do coronavírus
As mudanças do uso da terra são as causas de mais de 30% das doenças infecciosas emergentes | Foto: Reprodução
Jordana Ayres
Há mais de um ano o mundo inteiro começou a enfrentar um dos momentos mais trágicos da história: a pandemia da Covid-19. Apesar do coronavírus ter sido considerado como “novo”, pandemias parecidas com esta já circularam ao redor da terra e também assola muitas pessoas em níveis relacionados à saúde, à economia e à sociabilidade. Esse tipo de situação está elencada com fatores de cunho ambiental, como densidade populacional humana, mudanças antropogênicas, desmatamento, expansão de terras agrícolas, intensificação da produção animal, aumento da caça e a globalização.
Segundo a Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, as mudanças do uso da terra são as causas de mais de 30% das doenças infecciosas emergentes, como a Covid-19. A interação entre o homem e o meio ambiente também é considerado como um dos grandes fatores, principalmente porque existe a manipulação inadequada de animais silvestres, responsáveis por provocar doenças zoonóticas, ou seja, aquelas que são transmitidas por animais, como ebola, dengue, chikungunya e o coronavírus.
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) explica que as mudanças climáticas também são responsáveis por impulsionar a zoonoses. A emissão de gases poluentes altera a temperatura e a umidade do planeta, afetando a sobrevivência dos micróbios. Essas transformações aceleradas causadas por eventos climáticos como calor, seca, inundações ou incêndios florestais não permitem que o ecossistema fique equilibrado na população de algumas espécies como os mosquitos que podem se tornar vetores de doenças emergentes.
De acordo com o pesquisador, antropólogo, arqueólogo, palestrante, professor e ambientalista Altair Sales, a Covid em si não causa danos ao meio ambiente, mas confirma que a doença é fruto de desequilíbrios. “Toda epidemia tem origem com impactos que modificam de forma brusca o ambiente, como por exemplo quando foi feito a construção da barragem para a criação do reservatório de água do ribeirão João Leite, em Goiânia. Esse fato provocou grandes desalojamentos de populações de mosquitos do gênero Aedes, como também contribuiu para eliminar grande parte de seus predadores, criando um ciclo de manifestação epidemiológica, transformando a cidade no local de maior ocorrência no Brasil em casos de dengue. Foi assim com a construção do canal do Panamá, onde houve grande mortalidade, causada pela febre amarela.”
O ambientalista assemelha a pandemia do coronavírus à peste bubônica e à gripe espanhola, também responsáveis por afetar o planeta de maneira drástica. “A peste bubônica, por exemplo, foi fruto de desorganização ambiental, uma vez que comerciantes árabes e judeus, introduziram na Europa o rato do Himalaia, que ao ser picado por pulgas, transmitiam o vírus que provocou a doença com todas as suas consequências, assolando por anos o mundo ocidental. E, só foi mais ou menos contida, depois da invenção do antibiótico e do DDT. A gripe espanhola, surgiu num contexto de grandes aglomerações em acampamentos militares nos Estados Unidos e se dispersou com as grandes movimentações provocadas pela primeira guerra mundial”, conta.
Além disso, ele diz não acreditar que a pandemia da Covid-19 é um bom motivo para que os seres humanos mudem os pensamentos e atividades em prol do meio ambiente. “O que muda o comportamento é a consciência e isto demanda tempo, além de exigir mudanças radicais e revolucionárias dos modelos econômicos que hoje são dominantes. Mas é válido ressaltar que assim como já aconteceu no passado, novos formas virais podem adquirir resistência e afetar toda a humanidade principalmente se o homem, com sua tecnologia, continuar provocando desequilíbrios ambientais”, finaliza.
Economia distante da sustentabilidade
A economia atual pautada pelo capitalismo tende a enxergar a natureza apenas como um meio de se obter grandes rendas e acredita que recursos naturais sempre estarão disponíveis para o bem-estar da humanidade. Com esse modus operandi, torna-se necessário que a lógica desse modelo econômico seja colocada em questão.
A recuperação econômica pós- Covid, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), está longe de ser sustentável. Menos de 20% dos recursos aprovados no ano passado para a recuperação das empresas favorecem o meio ambiente e o combate às mudanças climáticas.
No Brasil, os exemplos mais recentes de descaso ao meio ambiente podem ser explicados através da proposta de alteração no decreto que regulamenta a Lei da Mata Atlântica que pode retirar a proteção de 110 mil km² de vegetação em ilhas e mangues, o corte orçamentário significativo na área ambiental (o menor dos últimos 21 anos) e a redução da fiscalização e punição pelo cometimento de infrações ambientais.