Especialista fala sobre a riqueza da culinária goiana
Entrevista com o campineiro Afonso, com 71 anos, está há mais de 30 anos trabalhando, diariamente, no Mercado com farinhas, queijos, conservas, laticínios e doces
Se for falar da nossa culinária, teremos que resgatar a importância do Mercado Central de Goiânia. Esqueça-se da modernidade dos shoppings centers e das lojas caras, pois o Mercado reúne em quase 7 mil metros quadrados muita comida gostosa, tradição, história, cultura, qualidade e preço baixo. Segundo os comerciantes, o mercado existe desde 1947, mas para a Prefeitura as atividades só tiveram início em 1950. Contudo, vamos partir da inauguração da atual sede em 24 de outubro de 1986, na Rua 3, no Centro.
Com 101 permissionários, o mercado oferece uma grande diversidade de produtos e serviços distribuídos em seus corredores. Quem passa por lá pode optar entre comer uma tradicional empada goiana ou um bom doce cristalizado, mas ainda sobra espaço para levar um queijo ou farinhas e temperos para casa. Criado para abastecer o comércio alimentício, as lojas dão opções de carnes, frutas, verduras, pastéis, restaurantes, bares, doces e farináceos.
É entrar no Mercado e os cheiros te fazerem rememorar da casa da avó, pelo menos comigo foi assim. Um pouco de passeio pelos corredores tumultuados de produtos e você verá que a vida pode agregar diversos gostos, pois o comércio de temperos e condimentos ou de ervas e raízes invadem a memória e causam uma explosão de lembranças. Tem também as lojas de produtos naturais e tabacarias que vão te prometer a cura mais eficaz do mercado medicinal.
Mas se a sua necessidade for pequenos reparos, os lojistas do Mercado Central podem afiar alicates ou consertar celulares, relógios, roupas, panelas ou oferecer outras utilidades domésticas, pois ali tem trabalhadores muito bem atentos a necessidade do cliente. Eu, por exemplo, fui passar com a mochila um pouco rasgada pela porta Oficina das Roupas e, em cinco minutos e com cinco reais a menos no bolso, saí com rasgado recuperado e um belo puxão de orelha: “carrega menos coisas nessa mochila”.
Continuando o passeio pelas coisas para casa, é bom abaixar a cabeça para entrar na Abdalla Artesanatos. O tilintar dos Sinos dos Ventos Mensageiros, que são feitos de vários tipos de rochas goianas, com diversas cores e tamanhos, enfeitam a loja e te obrigam a andar meio curvado. São objetos carregados de história e identidade cultural. Cestas, vasos, carrinhos de madeira, cabaças, carros de boi, , chaveiros, colheres de pau e outros produtos manuais para adornar a casa, ou não, pois no meio de tudo tinha até “merda” falsa para pregar peças nos amigos.
Nada muito caro, mas tudo muito rico. Rico em tradição e em valorização do artesão goiano. O Mercado Central oferece isso para quem passeia por lá e quer levar um pouco de Goiás no chaveiro ou para pregar imãs na geladeira de casa, tudo para adornar a casa com artesanatos que representam a nossa goianidade. Além disso, o frequentador pode aproveitar as opções de bolsas e sapatos.
O mundo está se atualizando, as compras pela internet e o modelo drive-thru parecem melhores para um contexto tão veloz que vivemos. Entretanto, é importante desacelerar e aproveitar uma prosa longa com boas histórias. O Mercado Central é um local tradicional para isso. Comida boa, atendimento aconchegante e produtos naturais nos reaproximam daquilo que nos define como goianienses.
Eu mesmo não consegui manter minha dieta vegetariana ao passar pelo corredor, próximo à escada circular que dá acesso ao piso superior, onde vem empadas goianas. Parei na banca da Empada do Alberto, que foi fundada em 1947, por Alberto Cavalcanti e oferece 12 tipos de recheios diferentes. Se me perguntarem porque essa preferência, só respondo que foi por causa da decoração. Uma afinidade com aqueles diversos jornais e revistas nas paredes com matérias sobre a banca me prenderam a atenção.
Tinha até aparelhos de TV e Rádio antigos e diversas fotografias de Alberto com celebridades como Bibi Ferreira, Beth Faria, Glória Menezes e Jorge Amado que visitaram e experimentaram a quitanda do local. Sentei-me ao balcão e já sabia o sabor que iria pedir, o tradicional. “Massa podre macia, frango [que me retirava da dieta], palmito e azeitona”, explica a vendedora, que trabalha há três anos na banca.
Em mais ou menos 30 minutos no forno a uma temperatura de 180º a empada fica pronta. No balcão, claro que não podiam faltar os molhos, inclusive o de pequi. Com três batidas no fundo da forma, um prato e os talheres, estava servida a empada. Me deliciei com aquele típico prato goiano. O empadão goiano é a marca da nossa identidade e já está no forno do IPHAN para se tornar parte do nosso patrimônio.
Sem muito tempo para mim, a atendente só consegue me informar que “nem é de Goiás, mas há pouco tempo no Goiás já percebi que aqui tem comida demais, e boa. Aqui tem pamonha, tem queijo, tem essa empada que só aqui que faz desse jeito. Se você andar um pouquinho pelo Mercado você vai perceber o tanto de sabores que Goiás tem”, orientou a atendente.
Ela não estava errada, há poucos passos dali achei um bom especialistas para falar sobre os sabores de Goiás. No coração do Mercado Central fica a banca do campineiro Afonso, com 71 anos, está há mais de 30 anos trabalhando, diariamente, no Mercado. É quase impossível vê-lo trabalhar, pois sua banca, que tem duas entradas, tem doces e queijos empilhados até a altura dos ombros e farinhas penduradas no teto. É preciso se esquivar bem para poder conversar.
Variedade é o que não falta nessa banca número 151, que se chama Produtos Caseiros De Goiás. O Sr. Afonso tem orgulho de mostrar as farinhas, os queijos, conservas, laticínios, frios, doces, condimentos e utilidades diversas que ele vende. “As coisas aqui vêm, principalmente, do interior do Estado. Produtos da terra mesmo. Esses doces vêm tudo de Nerópolis, queijos curados vêm do norte de Goiás e os frescos vêm do município de Caldazinha, e o queijo trançado vem de Bonfinópolis.”
Tudo ali é goiano. As farinhas, por exemplo, são de empresas do Estado que, cuidadosamente, “compram a matéria-prima, ensacam e mandam para o comerciante”. É incrível ouvi-lo dizer de onde cada produto da banca vem, ainda mais depois da Covid-19 que, segundo ele, atacou pouco os pulmões, mas os sabores e memória “foi-se embora” por algum tempo. Mas ele diz que é fácil lembrar dessas coisas devido terem se tornado tradição, pois os clientes que compram da banca dele fazem isso há mais de 30 anos e “prezam esses produtos da roça, de chácaras e da fazenda”, gostam de saber de onde vieram.
“Os produtores trabalham no sistema antigo para ter menos despesas e os produtos artesanais acabam saindo mais baratos que nos supermercados”. Com mais de 70 anos, ele conta que sua história anda lado a lado com a de Goiânia. Ele lembra que na infância só tinha asfalto na 24 de Outubro, em Campinas, e na Avenida Anhanguera, no Centro, e me conta sobre a chegada dos supermercados na capital que, para ele, não roubaram a clientela, pois muitos gostam mesmo é “das coisas de antigamente”. Os supermercados vendem enlatados e embutidos, isso perde o “gosto da roça”.