Que democracia buscamos e pode nos interessar?
Confira o artigo, desta quarta-feira (08/09), por Dirceu Cardoso Gonçalves
O que mais se tem visto, nos últimos tempos, é as diferentes correntes defendendo ardorosamente a democracia. Quando falam de si, apresentam-se como autênticos democratas e, ao mesmo tempo, atribuem aos adversários as incômodas fantasias de golpista, ditador, genocida e outros atributos que o povo precisa de dicionário para saber o significado. Diante da premissa de que todos lutam pela democracia, chegar-se-ia à conclusão de que o regime democrático não deve estar sob ameaça. Porém, é de bom alvitre inquirir e compreender com que tipo de democracia cada segmento político sonha. Será que é o mesmo? Provavelmente não.
Desde que me conheço por gente – e já se vão sete décadas – mais o que tive a oportunidade de pesquisar no passado político-institucional do país, sempre deparei com a democracia colocada como ideal de todas as correntes políticas e ideológicas. Como é que figuras tão diferentes e na maioria das vezes antagônicas podem remar numa mesma direção? – pensava. Todas as vezes que grupos autoritários assumiram o poder, justificaram ser para “preservar a democracia”. Seus adversários também se classificavam como democráticos, mesmo quando pegavam em armas. A democracia foi a grande pedra de toque a partir da Nova República, instalada em 1985. Mas isso não nos impediu de ter governantes adeptos da ditadura do proletariado e de outros regimes de força e até acusados de desviar o dinheiro do povo brasileiro para sustentar seus ditadores amigos.
Os ditos democratas dos anos 80 tentaram o parlamentarismo. Como o povo rejeitou, no plebiscito de 1993, vieram os governos de barganha, onde os governantes loteavam cargos do governo e liberavam benesses em troca dos votos parlamentares. Distanciados do povo, os donos do poder não realizaram as reformas necessárias. Só depois do impeachment de Dilma Rousseff é que passou a reforma trabalhista e depois a da Previdência. Bolsonaro elegeu-se com a promessa de acabar com o loteamento do governo. Assim o fez e sofre a retaliação dos parlamentares outrora viciados em vantagens. Esse descontentamento somado à pregação permanente de Lula e do PT, que buscam recuperar o prestígio perdido, nos trouxe à atual crise.
Infelizmente, temos hoje em rota de colisão os três pilares da Republica – Legislativo, Executivo e Judiciário – que deveriam ser independentes e harmônicos. O Supremo Tribunal Federal invade áreas de atribuição dos outros poderes. Já impediu o presidente da República de exercer atribuições que lhes são legítimas, prendeu um parlamentar (e a Câmara, sem força, concordou), montou processos onde é autor, investigador e julgador, e mandou o Senado abrir a CPI da Covid, sendo obedecido pelos senadores.
Intransigência, transigência e voluntarismo fazem o quadro da crise. O povo é chamado a se manifestar em 7 de setembro e não dá para prever o que poderá ocorrer. Até porque o povo é chamado, mas quem o chama não diz claramente a favor ou contra o quê deve se manifestar. Torcemos para que a razão fale mais alto, as manifestações sejam pacíficas e parem as escaramuças; cada um cumpra o seu dever sem o risco de quebra institucional. Mas, para isso se concretizar, os envolvidos na crise precisam ser mais cordatos, aterem-se àquilo que a Constituição determina para seus postos, sem transigir, inovar ou buscar interpretações diferentes das que moveram os constituintes de 88. É preciso considerar, no entanto, que de nada adiantará negociar e manter as aparências se não pararem as desinteligências e os deslizes constitucionais.
Sem que todos entendam, respeitem e pratiquem o artigo 2º da Constituição (“são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”), a crise não se resolverá e o futuro será incerto…