Marília Mendonça cantou sofrência e empoderou mulheres
Reportagem traz detalhes sobre o acidente, repercussão no mundo artístico e entrevista com especialista sobre suspeitas do que pode ter ocorrido durante a queda
Por Alzenar Abreu, Breno Modesto, Maiara Dal Bosco e Yago Sales
Outra vez uma tragédia silencia a voz estrondosa de um gênero musical que ultrapassa as fronteiras de Goiás a cada talento que surge. Desta vez, o público sertanejo perdeu Marília Dias Mendonça, na sexta-feira (5/11). O corpo será velado neste sábado (6) no Ginásio Goiânia Arena, previsto para as 8 horas.
Mãe, filha, mulher. Em versos, Marília interpretava canções que escreveu inspirada em amor, desamor, separações e, principalmente, superação. O aeronave que a transportaria para Caratinga, Minas Gerias, deixou o Aeroporto Santa Genoveva, em Goiânia, na tarde de sexta-feira para pousar a 1h30, num voo sem volta.
Horas antes de apresentar-se depois de quase cinco anos de sucesso avassalador em sua carreira, o avião de Marília caiu sob pedras, próximo a uma cachoeira, na mata íngreme em condições sob investigação. No intervalo de uma hora, o Brasil não se preocupava tanto com a integridade física da artista. Havia informação de que ela estava bem.
Mas pouco tempo depois, o Corpo de Bombeiros informou a morte precoce da estrela goiana, de timbre forte, jeitão alegre e com muitas músicas para nos ensinar a seguir. Além da artista, morreram o tio e assessor dela, Abicieli Silveira Dias Filho, o produtor Henrique Ribeiro, conhecido como Henrique Bahia, o piloto e copiloto – com identidades não reveladas até o fechamento desta edição. A companhia Energética de Minas Gerais confirmou que o avião atingiu um cabo de torre de alta tensão, antes de cair.
Ainda na noite de sexta-feira (5), o governador de Goiás, Ronaldo Caiado anunciou, no Twitter, que o velório da artista ocorreria neste sábado (6) no Ginásio Goiânia Arena.
Pelo Brasil
Natural da cidade de Cristianópolis, no interior do Estado, Marília Mendonça foi criada em Goiânia, onde começou sua carreira musical. Os primeiros passos como cantora foram dados na igreja, ainda na infância, quando Marília tinha 12 anos. Dali, a artista passou a compor músicas para cantores como Cristiano Araújo, Henrique & Juliano, Jorge & Mateus, Matheus & Kauan, e outros.
No ano de 2014, Marília lançou seu primeiro EP. Dentre as músicas do álbum, estavam “Alô, Porteiro” e “Sentimento Louco”, que, dois anos depois, estariam também do DVD “Marília Mendonça: Ao Vivo”, o primeiro da cantora. Com ele, Marília emplacou a música “Infiel”, que, à época, se tornou a segunda canção mais pedida nas rádios do Brasil, que trouxe a ela o título de “Rainha da Sofrência”.
Em seguida, veio o EP ‘Realidade’, gravado em Manaus. Nele, Marília apresentou ao público sucessos como “Amante não tem lar” e “Eu sei de cor”. Seu último DVD, lançado em 2019, foi o “Todos os Cantos”, onde Marília percorreu as capitais do Brasil para gravar cada uma das canções do projeto.
Além da carreira solo, Marília fez parte também de três álbuns colaborativos. Todos eles com a dupla Maiara & Maraísa. Os dois primeiros, lançados nos anos de 2016 e 2018, respectivamente, levaram o nome de “Agora É Que São Elas” e “Agora É Que São Elas 2”. O último, produzido em 2020, foi denominado “Patroas”.
“AMOR”
Nas redes sociais, desde o anúncio oficial da morte, artistas, de todos os segmentos musicais, se uniram aos milhares de fãs de Marília Mendonça em uma imensa rede de demonstração de amor, afeto e saudade. A cantora Anitta a descreveu como “aquela amiga que topa tudo. Um exemplo de tudo de bom. (…)”. “Nunca te esqueceremos”, completou a funkeira. A dupla Jorge e Mateus publicou um trecho de uma das músicas de maior sucesso de Marília: “Todo mundo vai sofrer”. Na postagem, completou: “Descanse em paz”.
O dom e a arte de Marília foram homenageados por uma das principais representantes do forró, Joelma. “Marília, seu dom, sua arte, sua amizade, seu amor e tudo que você representa são eternos”, escreveu. O legado também foi lembrado pelo rapper Emicida: “Suas músicas foram abraços em muitos de nós, que agora nos perguntamos como seguir a vida sem poder te abraçar novamente. Um bilhão de vezes obrigado”, disse.
Os goianos Leonardo e Gusttavo Lima destacaram a dimensão da perda. “O Brasil, eu e minha família choramos por você. Nossa eterna Rainha Marília Mendonça. Muita tristeza! Meus sinceros sentimentos aos familiares de todas as vítimas dessa tragédia”, escreveu Leonardo. “Vai com Deus eterna Rainha!!! O Brasil chora com a sua partida!”, destacou Gusttavo Lima.
Gal Costa e Caetano Veloso também prestaram homenagens à artista goiana. “Uma menina genial, brilhante no seu segmento como compositora. Uma pessoa jovem, carinhosa, maravilhosa que deixa um filho pequeno. Muito triste, tudo muito triste”, disse Gal Costa.
Já Caetano, escreveu: “Um amigo querido comentou: “Em ‘Sem samba não dá’ você cita Marília Mendonça duas vezes!”. Sorri. O arrebatamento diante das Patroas (em que Mendonça canta com Maiara e Maraísa) e do trecho de show em que Leo Santana se apresenta ao lado dela e da banda Didá…”, escreveu o consagrado Caetano.
Especialista fala sobre suspeitas do acidente
O professor aposentado de ciências da Aeronáutica da PUC – GO, Newton Leone, com 16 anos de trabalho na Pontifícia e 45 anos de experiência no tema, diz que as declarações dele sobre o acidente são, apenas, suposições, e que se posicionará em definitivo, após relatório da Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos – CENIPA. “É lamentável. A aeronave envolvida no acidente era excelente. Muito usada no mundo todo”, disse.
A King Air modelo Beechcraft – tipo turbo hélice PT – ONG caiu, no dia (5), em área de mata no município de Caratinga, Minas Gerais. Na avaliação do especialista, todo acidente com aeronaves ocorrem na conjunção de diversos fatores. “Tenho certeza que, pelas estatísticas, houve mais de um fator que ocasionou a queda”, avalia.
Ele recordou-se, por exemplo, da tragédia ocorrida com a banda Mamonas Assassinas há 25 anos, exatamente em 2 de março de 1996. “Naquela ocasião o Cenipa detectou, pelos levantamentos que o piloto (e tripulação) estavam muito cansados, com muitas horas de voo e que fizeram uma manobra considerada irregular como um procedimento de aproximação de aeroporto fora do padrão. O que causou a colisão daquela aeronave com a Serra da Cantareira-SP.
“Alguns levantaram a hipótese que poderia ter sido pane seca. Mas havia cheiro de combustível no local do acidente”, pontuou. Ele diz que o avião tinha plena autonomia para chegar a Caratinga. “O Cenipa vai investigar com quanto combustível a aeronave foi abastecida, ao sair de Goiânia”. “Eles não fizeram nenhum desvio significativo que gastasse tanto combustível”, relatou.
A aeronave tem autonomia para voar 6 horas, em média, e cerca de 2 mil km. “ Todo voo tem uma provisão extra de combustível para um percurso previamente definido em caso de pouso alternativo, e para mais 30 minutos de voo, se for o caso de aguardar nos ares. “É muito difícil pane seca num voo fretado. Num avião desse tipo a manutenção é constante”, pontuou.
O especialista diz que só a Cenipa pode atestar se houve falha humana e quais foram os fatores que confluíram para a queda. O CENIPA, Organização do Comando da Aeronáutica prevista pelo Decreto nº 6.834, de 30 de abril de 2009, tem por finalidade planejar, gerenciar, controlar e executar as atividades relacionadas com a prevenção e investigação de acidentes aeronáuticos.
Equipes da Polícia Civil de Caratinga-MG disseram, em coletiva, que o resgate das vítimas foi tenso e perigoso para os socorristas. “Havia combustível sobre a pedra onde os destroços ficaram. Estava escorregadio”, completou o delegado regional da PCMG, Ivan Lopes Sales. (Especial para O Hoje)