Além do sertanejo, conheça o que mais Goiânia tem para oferecer no cenário musical
Apesar de ser a capital do sertanejo, Goiânia é referência para o Rock, o MPB e as novas variações da música caipira
Diferente dos estereótipos que muitos possuem, de que aqui todo mundo anda a cavalo, de chapéu, cinto de fivela e calça justa, os goianos têm inovado no cenário musical e ganhado os holofotes nacionais. O Estado tem lugar para além do Festival Villa Mix. O evento surgiu, em 2011, após o sucesso da gravação do show Noite e Dia: Ao Vivo em Goiânia da dupla Jorge & Mateus. Ele é realizado no estacionamento do Estádio Serra Dourada com foco para a música sertaneja, mas também trouxe para a capital artistas do POP, como Demi Lovato e Shawn Mendes, e de música eletrônica, como o DJ Alok. Entretanto, nossa cidade também dá palco para outros eventos para quem gosta de MPB e rock também.
Quem está imerso neste contexto musical goiano é o sócio e diretor de marketing da Monstro Discos, Leonardo Razuk. O que começou em uma lojinha de discos Sonic, no Centro de Goiânia, ainda nos anos 1990, expandiu-se para conquistar o cenário de rock goiano e, principalmente, divulgar bandas para além das fronteiras de Goiás. Razuk conta que se for questionado sobre Goiânia ser a capital do sertanejo, não pensará duas vezes antes de lembrar que “também somos um referencial de rock no Brasil”.
“Eu costumo falar, muito tranquilamente, que Goiânia é uma capital. Uma cidade jovem, com apenas 88 anos, e com muitas pessoas jovens, que têm relações com o interior do Estado, os pais ou mesmo os avós. Então, como toda capital, ela é muito plural e muito diversa culturalmente. Justamente por isso que ela abriga manifestações tão diferentes ou mesmo diversas. Temos um sertanejo muito forte, mas a gente também tem, de uns anos para cá, esta cena do rock crescendo muito e temos outros eventos musicais importantes na cidade”, aponta.
Para os goianos que amam música além do sertanejo, surge da produção de Leo Bigode, Tosh Kimura, Márcio Jr, Léo Razuk e Fabrício Nobre o Festival Goiânia Noise, Cidade Rock e Festival Bananada, desde os anos 1990, contribuindo para dar visibilidade para nossos músicos goianos que fugiam dos padrões sertanejo.
Como pondera Razuk, “os eventos têm por objetivo dar profissionalismo, ser um fomentador” e dar palco para os diversos gêneros no cenário musical goiano. Além disso, são multiculturais ao abrirem espaço para bandas de todo o País, skatistas e circuitos gastronômicos. Razuk destaca que os festivais goianos se tornaram “para muitos jovens, que pensam em ter banda, um sonho de consumo”. Bandas que desejam dar uma “banana” para o sertanejo e tocar seus gêneros próprios. “Durante os dez primeiros anos, eu fiz parte do Bananada”, conta Razuk. “Na época em que ele surgiu, Goiânia parava para a [festa da] Pecuária e virava um deserto, pois a vida inteira se mudava para lá e quem não gostava desse tipo de lazer não tinha o que fazer à noite. Então, o Bananada surge em maio, justamente, para ser o contraponto disso e para mostrar que existe na capital outra vida e outras manifestações culturais e de lazer além do sertanejo.”
Mas, com o desenvolvimento da capital e do evento, hoje ele tem outra “pegada” e mudou de data, passou a ser realizado em agosto. Os mesmos goianos podem aproveitar o Festival Vaca Amarela, que já teve 18 edições aqui na capital. A equipe do Fósforo Cultural abre as portas desse evento para cantores de MPB, rock e pop, tudo isso para aquele goiano eclético no gosto musical e que gosta de curtir um bom festival.
Entretanto, o legítimo goiano rockeiro pode participar de dois super eventos focados somente neles. São o Goiânia Noise Festival e o Grito do Rock, ambos já tradicionais aqui na capital. Já que as rádios de rock “tocam músicas de bandas de 20 e 30 anos atrás”, segundo Razuk, estes festivais vieram para inserir as novas gerações do gênero, como as bandas goianas Carne Doce – que alcançou sucesso nacional e internacional com o indie rock – e a Boogarins, com rock psicodélico e neopsicodelia. O Goiânia Noise já teve 25 edições na capital, prezando sempre pela ascensão de bandas de rock independentes de todo o Brasil.
O metaleiro Pedro Jordan fala sobre sua banda Half Bridge, que em tradução direta significa Meia Ponte, fazendo referência ao rio que banha a capital de Goiás. A banda de Senador Canedo destaca que o cenário goiano ainda não é tão receptivo e, por isso, é necessário levar a música para fora do Estado.
Apesar da dificuldade, os metaleiros identificam que os festivais estão em ascensão. “É necessário investir na gestão das carreiras e nas redes sociais, pois em Goiás tem boas bandas de rock”, afirma Pedro. Para concluir, eles apontam que os goianos nesse gênero musical precisam resgatar sua identidade cultural. “Pois, como nós, usamos tons de músicas caipiras para fazer o toque do rock na guitarra”, aponta.
Mas quem pode falar melhor sobre isso é Diego Uander, cantor e compositor da banda goiana Chá de Gim. Ele conta que as dificuldades tocando MPB em Goiás não impediram o sucesso da banda e que a oportunidade de participar de eventos do gênero em Goiás incentiva a troca de ideias e conhecimento.
“É complicado, é diferente e é um público que é de difícil acesso. O público não é comum, pois temos que chegar de uma forma bem sentimental. Acreditamos que está crescendo e que as pessoas estão cada vez mais precisando de mais sentimentalismo e mais sensibilidade. Apesar de termos um estilo próprio, a MPB está perdendo espaço para o rolo compressor da indústria.”
Uma banda que começou, em Itaberaí, com três amigos, “compondo músicas em uma praça, bebendo vinho […] ganharam o mundo com a canção Benzim do álbum Comunhão” e se apresentou em todos os eventos em Goiás e, também, em outros Estados. Como goiano, Uander diz que é apaixonado por modão. Como compositor, destaca que ele é aquilo que escuta, como, por exemplo, João Mineiro & Marciano. “Tem muita coisa goiana, é impossível não ser aquilo que a gente escuta e aquilo que a gente come. É uma característica regional nossa, que levamos para os lugares onde vamos fazer shows e falamos da nossa raiz em Itaberaí”, afirma.
“Agora, só o fato de o músico morar e viver em Goiânia e fazer rock e MPB, aqui na capital, já dá uma identidade goiana muito própria para a arte dele. O próprio sotaque e a vivência dele já são passados na letra”, destaca Razuk. Segundo ele, a identidade não é transmitida no ritmo ou no gênero, mas está “impressa” na hora de compor as músicas. “Não dá para fazer uma música pensando em Londres, se você mora nesse calor e nessa secura de Goiânia.”
Razuk partilha da mesma ideia do professor Eduardo Meirinhos, da UFG. Para eles não há como pensar em identidade e música separadamente, pois elas convergem. É como se uma pessoa LGBTQIA+ compusesse músicas sertanejas e, ao invés de interpretar um romance heteroafetivo, ele inserisse sua identidade de gênero e sexual na letra. Quem se arrisca dizer que não há palco para a comunidade LGBTQIA+ no sertanejo? Esta realidade está muito mais próxima dele do que a outra. Desta mesma maneira, o cantor sertanejo Gabriel Felizardo, Gabeu, explica o queernejo.
“[O queernejo] É um lugar onde uma mulher trans canta sobre ser uma mulher trans caipira, onde tem um menino gay falando sobre um relacionamento gay no campo. O sertanejo pode ser várias coisas, é um som muito diverso”, declarou Gabeu, em entrevista ao G1 Goiás. De chapéu e botina, o filho do cantor Solimões, que faz dupla com Rionegro, fala que suas canções trazem “outros tipos de narrativas, outras abordagens, outros tipos de corpos e vozes. É um lugar para as pessoas que não se sentem abraçadas pelo sertanejo”, define.
“O queernejo tem um papel social de fazer com que pessoas LGBTs do campo, dos interiores, em contextos sertanejos e rurais, se sintam mais possíveis dentro desses contextos”, explicou. Ele fala sobre representatividade, seja da identidade de gênero e sexual ou das raízes caipiras do nosso povo goiano. “É sobre ter orgulho de falar de onde é e quem é, o que acaba divulgando e levando a identidade através da música”, afirma Razuk.