Chantagens, abusos sexuais e estupros; conheça o caso ‘Nth Room’ que chocou a Coreia do Sul
Os pedidos incluíam a autolesão dos mamilos, inserção de objetos na vagina e estupros
Em março de 2020, o mundo conheceu o assustador caso chamado Nth Room (n번방), mesmo nome de grupos privados no Telegram nas quais dezenas de vítimas eram obrigadas a praticar atos sexuais, além de incentivar a uma série de outros crimes como exploração, abuso sexual, coerção, violação de privacidade e estupro. O fato aconteceu na Coreia do Sul.
Dentro dos grupos criados, eram compartilhados vídeos e imagens, em sua maioria de abusos sexuais. Alguns eram de menores de idade, de mulheres que tinham seus celulares invadidos, e eram chantageadas para que não vazassem as fotos íntimas, assim, as tornando escravas sexuais.
Choi Joo-bin, de 25 anos, comandava todo esquema, e se denominava “박사” (BAK-SA) que em tradução livre significa “Doutor” ou “Guru”. Para cada uma das salas, Joo-bin estipulava um valor que variava entre cerca de US$ 80 a US$ 1,200 (cerca de R$ 402 a 6 mil reais). Pelo menos 10.000 pessoas usaram as salas de bate-papo, segundo a reportagem da BBC. Em sua maioria, homens pagavam para entrar nessas salas virtuais.
Denuncias
Todo o caso teve seu conhecimento no país e no mundo em 2020, quando duas estudantes de jornalismo investigaram sobre crimes sexuais e encontraram os grupos privados, usando palavras chaves no Telegram. Após expor toda a investigação, com provas contundentes para a polícia, todo o país se revoltou e pediu para que a justiça fosse feita contra os responsáveis do grupo.
Ao terem acesso ao grupo, foi descoberto que havia cerca de 74 vítimas de chantagem e que eram obrigadas a fazer tais vídeos para os grupos, sendo 16 menores de idade.
Apenas homens com grande poder aquisitivo tinham acesso aos grupos devido aos preços que Cho JoBin cobrava para entrar, normalmente membros eram CEOs populares, esportistas e até mesmo ídolos famosos no mundo do k-pop e ‘doramas’ (dramas coreanos).
Quem eram as vítimas?
As meninas estavam ativas em aplicativos de bate-papo, ou Twitter, e se envolveram em prostituição ou sexting (enviar mensagens eróticas) por dinheiro. Os operadores da sala de bate-papo entraram em contato com as meninas, prometendo trabalhos de modelo ou acompanhante. Elas eram direcionadas para uma conta do Telegram onde a operador extraía dados pessoais que seriam usados posteriormente para chantageá-los.
Segundo as investigações os pedidos incluíam a autolesão dos mamilos, escrever “Slut” (vagabunda) na própria pele usando algum objeto cortante, e até mesmo inserir objetos na vagina. Os homens com mais poder aquisitivo, pagavam para estuprar as mulheres dos vídeos.
Uma estudante – falando com Kim Hyun Jung na rádio sul-coreana CBS – disse que foi abordada virtualmente após procurar trabalho. Foi prometida a ela dinheiro e um telefone, se enviasse fotos de si mesma, seguida por vídeos sexuais. A vítima disse que havia pelo menos 40 vídeos no total.
“Ele já tinha meu rosto, minha voz, minhas informações pessoais”, disse a vítima. “Eu estava com medo de que ele me ameaçasse com essa informação se eu dissesse que desistiria.”, concluiu.
A indignação dos sul-coreanos
Mais de dois milhões assinaram uma petição para que a identidade do “Doutor” fosse tornada pública. Eles conseguiram o seu desejo. No entanto, as mulheres diziam que o sistema de justiça não pune adequadamente crimes sexuais e não age como um impedimento. Posteriormente, dezenas de milhares de mulheres pediram à administração épica alguma ação.
Protestos em larga escala foram realizados ao longo de várias semanas pela falta de ação das autoridades sobre vídeos ilícitos, feitos em locais como banheiros públicos e vestiários, e postados online. O Ministro da Igualdade de Gênero, Lee Jung-ok, prometeu rever as leis que regem os crimes sexuais, incluindo o aliciamento online e a chantagem de crianças e adolescentes.
A reação
Os detalhes surgiram através de uma reportagem de jornal em novembro, seguida por outra reportagem em março. A história causou indignação em um país onde outro escândalo de abuso – o caso Burning Sun – dominou as manchetes no ano de 2019
Uma petição no site presidencial, pedindo o principal suspeito para ser nomeado, foi assinada 2,6 milhões de vezes. Outra petição no mesmo site, pedindo que todos os usuários da sala de bate-papo fossem nomeados, foi assinada quase 2 milhões de vezes.
O presidente Moon Jae-in considerou as salas de bate-papo como um “ato cruel que destruiu vidas”, segundo um porta-voz. “O fato de mais de três milhões de pessoas assinarem a petição… é um apelo sério ao governo do povo, especialmente das mulheres, solicitando o fim desses crimes sexuais digitais maliciosos”, acrescentou o porta-voz.
Prisões
Um tribunal sul-coreano condenou Cho Ju-bin, um dos maiores anéis de abuso sexual online do país a 40 anos de prisão. O mentor foi considerado culpado de comandar um grupo que chantageava meninas para compartilhar vídeos sexuais que eram postados em salas de bate-papo.
“O acusado distribuiu amplamente conteúdo sexualmente abusivo que ele criou atraindo e ameaçando muitas vítimas”, disse o Tribunal Central do Distrito de Seul na quinta-feira, de acordo com a agência de notícias Yonhap.
Ele disse que Cho foi considerado culpado de violar leis para proteger crianças de abuso sexual e por dirigir uma quadrilha criminosa que produzia e vendia vídeos abusivos a fim de obter lucro.
“Peço desculpas àqueles que foram feridos por mim”, disse Cho naquele mês, quando foi levado para longe de uma delegacia de Seul. “Obrigado por colocar um freio na vida de um diabo que não poderia ser parado.”
A Agência Nacional de Polícia disse à Reuters que 124 suspeitos foram presos. Um usuário chamado GodGod, suspeito de criar pela primeira vez a sala de bate-papo, continua foragido.
“Através de uma investigação rigorosa, a polícia transformará totalmente a apatia social ao crime sexual digital e eliminará fortemente esse crime de nossa sociedade”, disse Min Gap-ryong, comissário-geral da Agência Nacional de Polícia coreana.