Curta-metragens: Cineastas, produtores e atores falam sobre a importância do formato
Os curtas-metragens são uma maneira acessível de aprender o processo de produção e ganhar experiência, além de ser o passo inicial na carreira de um artista de cinema
Por Elysia Cardoso
O mercado do audiovisual é um dos maiores do mundo, especialmente no Brasil. De acordo com o último relatório fornecido pela Ancine (Agência Nacional do Cinema), o cinema movimentou cerca de R$25 bilhões no país. A maior parte dessa renda se refere aos longas-metragens, mas a produção de curtas vem ganhando cada vez mais destaque, fomentada pela ascensão dos streamings.
No período pré-pandemia, eram produzidos cerca de 500 curta-metragem por ano no Brasil, o que compreende cerca de 30% do total de produtos audiovisuais. Em geral, os curtas são filmes de até 15 minutos, sendo o primeiro trabalho de atores e diretores, devido ao seu custo mais baixo e sua produção mais simples.
Um dos estúdios que ajudou a popularizar o tema foi a Pixar, que tem como costume exibir curtas metragens antes de seus filmes nos cinemas. Apesar disso, o seu mercado é formado basicamente por artistas independentes, que usam deste recurso como um cartão de visita, atraindo investidores e consolidando seu nome no mercado.
A produtora e cineasta brasileira Bruna Cabral possui uma carreira de sucesso em Hollywood, com produções celebradas como ‘Piece of Me’ e ‘Headway’, somando 21 prêmios em 35 indicações, e conta que os curtas-metragens são uma maneira acessível de aprender o processo de produção e ganhar experiência, além de ser o passo inicial na carreira de um artista de cinema.
A transição para o formato online (com os streamings), vêm contribuindo para o crescimento do mercado, conseguindo chegar para um público bem maior. Outro ponto importante para essa expansão é a turbulência social dos últimos anos, conforme relata a cineasta.
“Esse tipo de produção é muitas vezes focado em uma ideia, e não em um enredo em si. Diferente dos longas-metragens, os curtas têm se mostrado mais relevantes e versáteis, trazendo debates da sociedade”, acrescenta.
Para Lucas Drummond, ator, produtor e roteirista dos curtas ‘Depois daquela festa’ e ‘Todos os prêmios que eu nunca te dei’, o motivo pelo qual a maioria dos brasileiros não tem costume de assistir a curtas é por causa da escassez de espaços para exibição de filmes deste tipo. Por isso, a iniciativa de trazer para os streamings pode ser o empurrão que o mercado precisa para se estabelecer comercialmente.
“A Lei do Curta-metragem, criada em 1975, determinava a obrigatoriedade de inclusão destes na programação das salas de cinema brasileiras. Contudo, desde 1991, esse decreto foi revogado. A exibição de curtas nas grandes plataformas, além de dar mais visibilidade às obras e formar um público consumidor, oferece aos realizadores a oportunidade de monetizar seus projetos. Isso é incrível principalmente para projetos independentes, nos quais muitas vezes o artista tira a grana do próprio bolso para realizar”, detalha.
Comparado aos longas, os curtas possuem um custo de produção menor, além do tempo reduzido que permite explorar mais o diálogo e as emoções, o que faz com que esse tipo de modelo seja algo único e inovador. Apesar disso, a falta de investimentos ainda é o maior desafio desse mercado.
O primeiro curta de Lucas, ‘Depois daquela festa’, só foi possível graças a um financiamento coletivo, no qual ele pode contar com o apoio de 126 colaboradores. “A produção aconteceu graças a essas pessoas, que confiaram e apoiaram o projeto. Infelizmente, ainda são poucos os editais de fomento aos curtas-metragens porque ainda é um formato pouco valorizado no país”, ressalta.
Almas da experiência
Atuar em um curta pode ser bem desafiador, é o que conta o ator Dennis Pinheiro, protagonista do premiado curta ‘Fantasma de Neon’, que ganhou o Leopardo de Ouro na última edição do Festival de Locarno. Diferente de outros formatos, como os longas e o teatro, onde as histórias se desenvolvem com mais calma, aqui o tempo reduzido traz uma nova perspectiva.
Dennis, que fez carreira no teatro, e atualmente estrela o musical Sweeney Todd: o barbeiro demoníaco, cita ainda que devido a falta de alcance comercial, conhecia pouco o mercado, mas que se apaixonou desde sua entrada. “Eu sempre fui fã de curtas de animação, mas desde que comecei a trabalhar em curtas, me familiarizei com os outros gêneros, e gostaria muito que as pessoas conhecessem mais esse conteúdo. Existem trabalhos simplesmente fenomenais”, diz.
Kelner Macêdo, ator que é destaque em produções como ‘Sob pressão’ e ‘Verdades secretas 2’, já conquistou as telinhas, mas não abandona o formato de curtas. “Em um curta todas as camadas de significado têm uma precisão maior. Precisamos também contar a história no não dito, o que acentua bastante essa construção. Essas questões potencializam o enredo, e criam uma experiência incrível” complementa.
O curta-metragem faz parte do cinema, e possui um poder único de envolver. É a forma crua da arte, que faz rir, chorar e sentir. Assistir e apoiar esse formato é reverenciar a beleza das formas de expressão, valorizar a cultura e deixar a vida mais leve e feliz.