Justiça acusa fundação da igreja de R.R. Soares de violência psicológica e discriminação contra funcionários
Administração era conduzida a base de “gritos”, “humilhações” e “coações”, sem qualquer canal interno para denunciar esses abusos, segundo relatos
Uma fundação ligada à Igreja Internacional da Graça de Deus, do missionário R.R. Soares, é alvo de uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) neste mês.
Responsável pelo conteúdo midiático da igreja, a Fundação Internacional de Comunicação (FIC) é acusada de violência psicológica, discriminação por idade, gênero, raça e orientação sexual, imposição de padrões de beleza a funcionárias e diversas outras infrações trabalhistas.
Segundo a denúncia, havia inclusive uma orientação extraoficial para não contratar negros, mulheres acima de 50 anos e homossexuais para aparecerem no vídeo.
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Foram ouvidas oito pessoas, entre ex e atuais funcionários, para montar o inquérito que responsabiliza a gestão de Edjail Kalled Adib Antonio, diretor da FIC, pelo “clima de terror” instaurado por “olheiros do medo” no ambiente de trabalho, segundo a ação que tramita na 30ª Vara do Trabalho de São Paulo.
Segundo as investigações da MPT, ocorriam também dentro do ambiente de trabalho casos assédios praticadas pela antiga diretoria. No entanto, Kalled quem concentra a maior parte das condutas abusivas, uma vez que sua administração era conduzida a base de “gritos”, “humilhações” e “coações”, sem qualquer canal interno para denunciar esses abusos.
Ao menos um desses funcionários teria sido demitido depois de haver uma “caça interna para tentar identificar e perseguir aqueles que denunciam”.
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Exemplos atribuídos a Kalled
As testemunhas deram alguns exemplos das atitudes de Kalled durante o expediente:
- Regular a temperatura do estúdio para forçar uma apresentadora que não gostava a transpirar, acusando-a de estar “ansiosa” ou “nervosa”;
- Fazer comentários sobre “menopausa” e “calor”, “pele velha”, dizer que as “meninas estão com mais idade para aparecer em vídeo” ou que estão “cansados de uma mulher velha apresentando um jornal principal da noite”;
- Não contratar um estagiário pelo fato de ele ser negro;
- Afirmar que um profissional “se masturbava demais, pois suas mãos eram extremamente amarelas”, quando o mesmo reclamou da baixa temperatura na sala.
- Um profissional que foi ouvido pela MPT relatou que um coordenador de jornalismo teria dito a um funcionário que ele era “tanga frouxa, se referindo a uma pessoa mais afeminada, uma pessoa mais delicada no trato”.
Cadeados em janelas
Kalled havia instalado cadeados nas janelas do prédio em plena pandemia, como forma de manter o imóvel sempre gelado pelo ar-condicionado. A atitude teria motivado brigas que levaram, pois o ambiente impedia a circulação de ar.
Segundo um dos relatos: “Kalled falava amplamente que qualquer pessoa que tentasse desligar o ar-condicionado seria demitida por justa causa”, e que “as pessoas ficaram incomodadas, muitas usavam um cachecol na cabeça, usavam muitas e muitas blusas”. Outra testemunha disse que tinha a sensação de estar em cárcere privado, “num eventual incêndio aqui dentro, como é que vamos sair?”.
Indenização
A procuradora do Trabalho Elisa Maria Brant de Carvalho Malta, pede R$ 500 mil de indenização. Segundo ela, mesmo a par “das irregularidades identificadas pelo MPT, […] a ré nada fez para sanar os ilícitos”.
O juiz que cuida do caso deverá conceder uma liminar para obrigar a FIC a se adequar a várias exigências legais. Uma delas é se abster de cometer atos que impliquem em discriminação e ridicularização “por meio, por exemplo, de anedotas ou estereótipos ofensivos, especialmente em relação à aparência estética, atributos físicos e/ou idade (etarismo)”.
A outra decisão é que a empresa não tolere mais assédio moral, discriminação e qualquer tipo de perseguição, conferindo aos seus contratados “tratamento respeitoso e dentro dos limites de cordialidade que deve estar presente nas relações de trabalho”.
Audiência
Como consta em ata da audiência, Kalled participou de uma reunião com a Procuradoria do Trabalho acompanhado de um advogado, em julho. Na videoconferência, resumiu que o caso não passa de “alguns problemas com ex-funcionários que saíram porque a empresa andou passando por alguns reajustes, até para uma atualização, uma melhoria de ambiente de trabalho”,
Na audiência de julho com o MPT, a defesa diz que profissionais antigos não estavam “se adequando muito às novas rotinas que foram impostas até mesmo para uma melhoria para o local de trabalho e para que a empresa pudesse também atender melhor o fim dela”. O advogado propõe que o Ministério Público vá ao local “para verificar como é a realidade da empresa”, porque o teor da ação “ficou uma coisa muito parcial”.
Kalled nega alguns pontos, como a suposta presença de uma câmera no banheiro. Malta, a procuradora do caso, questionou a ré sobre a assinatura de um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), que é um compromisso para que a parte investigada se adapte às leis trabalhistas. O advogado respondeu “que realmente a empresa discorda um pouco do que aconteceu” e que, se ela ratificar o TAC, “está assumindo uma culpa de algo que não cometeu”.