Brasil: perspectivas e previsões
Evaristo Pinheiro é sócio administrador de escritório de advocacia
Evaristo Pinheiro
2011 marcou o fim do ciclo de crescimento do PIB iniciado em 2002. Desde então, o PIB diminuiu mais de US$ 1 trilhão. O período 2014-2016 (- 6,8%) foi o pior desempenho da economia na história brasileira, superado apenas pelos efeitos pandêmicos (abaixo, PIB brasileiro em bilhões de dólares).
Como esperado, outros indicadores econômicos principais deterioraram-se, tais como empregos, salários, endividamento do governo, produtividade, investimento etc. Devido à crise iniciada em 2014, o desemprego cresceu de 7% para 13,5% em 2020.
O mesmo foi observado nos salários que não aumentaram no período devido ao aumento do número de pessoas desempregadas, aumento da informalidade e inflação – que, embora relativamente sob controle entre 2014-2020, corroeu os salários pois estes não tiveram aumento suficiente.
Apesar de haver debates entre os economistas sobre as origens da crise econômica da última década e sobre a responsabilidade do governo pelos resultados, existe um consenso em relação às principais causas da turbulência econômica.
Em primeiro lugar, a despesa pública brasileira em porcentagem do PIB aumentou praticamente sem parar nas últimas 3 décadas. Ele subiu de menos de 14% do PIB para quase 20% em 2019 (não foi considerado 2020 – 26% – pois é um ponto fora da curva por causa dos gastos exigidos pelo contexto da pandemia).
O aumento das despesas públicas exige mais receitas fiscais através do crescimento do PIB, maior carga tributária ou dívida. Como 2014-2020 apresentou uma deterioração geral do PIB e a carga tributária já é de 32%, não havendo espaço para aumento da tributação, os gastos públicos foram financiados pela dívida, que teve uma forte alta (dobrou), de 30% do PIB para quase 63% do PIB.
Neste sentido, é importante citar que o endividamento adicional é utilizado em grande parte para financiar despesas atuais e não para aumentar os investimentos. Como exemplo, 54% dos gastos públicos brasileiros foram utilizados para cobrir despesas de pensão (R$ 801 bilhões), restando menos da metade para todas as outras exigências como infraestrutura, saúde, educação, entre outras.
A fragmentação política no Brasil também ajuda a explicar por que tem sido tão difícil controlar os gastos públicos. De 2 partidos em 1979, o Brasil chegou a 33 partidos registrados em 2020. Isso faz com que seja mais difícil para o Executivo negociar apoio governamental para grandes reformas fiscais.
Assim, a combinação do aumento de despesas públicas, endividamento, diminuição do PIB e desemprego na última década, principalmente entre 2014 e 2020, teve um forte impacto sobre os investimentos e a produtividade total.
Na década, a produtividade geral no Brasil aumentou apenas 2,79% ou 0,3% ao ano. Esta falta de evolução na produtividade impede o País de atingir o PIB potencial e ter um crescimento sustentável. Tal resultado é explicado pelo baixo nível de investimento e do alto desemprego/emprego informal.
A taxa de investimento brasileiro tem sido recorrentemente abaixo da média mundial nas últimas duas décadas. Este resultado é particularmente preocupante porque, sendo um País em desenvolvimento, o Brasil deve ter taxas de investimento superiores à média, a fim de enfrentar sua distância de desenvolvimento para países mais ricos. Como exemplo, a taxa de investimento coreana como % do PIB está consistentemente acima de 30% nos últimos 40 anos.
O aumento do investimento depende diretamente da melhoria do nível de poupança nacional. O Brasil, historicamente, apresenta uma lacuna entre as taxas de investimento e poupança nacional.
Para aumentar a poupança nacional para financiar investimentos, é fundamental que o governo gere superávit fiscal, que as taxas de juros sejam inferiores às atividades produtivas e que medidas para incentivar famílias a poupar suas economias sejam colocadas em vigor.
No Brasil, as medidas para incentivar a poupança das famílias devem ser focalizadas no estímulo ao investimento em fundos de pensão e compras imobiliárias, pois não há espaço para aumentar os impostos cujos recursos são usados para investimentos.
Se, por um lado, a última década foi extremamente desafiadora para o Brasil, por outro lado a sociedade brasileira parece ter chegado a um consenso de que as despesas públicas e a dívida devem ser controladas, que não há disponibilidade para aumentar os impostos e que isso é essencial para aumentar as taxas de investimento e a produtividade.
Algumas medidas tomadas a partir de 2016 impactam o País até os dias atuais. A mais importante reflete o consenso anteriormente citado, que é uma Emenda Constitucional (EC 95/2016) que implementou um limite de gastos no Brasil para os próximos 20 anos. Por esta regra, os gastos poderiam aumentar apenas a inflação do último ano.
A Emenda conseguiu deter a trajetória de aumento das despesas, mas alguns desafios haviam desafiado sua existência a longo prazo: falta de crescimento consistente do PIB de 2016 a 2020, ausência de outras regras para diminuir e melhorar as despesas públicas (como a reforma administrativa, entre outras) e principalmente os efeitos da pandemia, que exigiu a suspensão temporária das regras de limites de gastos (auxílio emergencial, auxílio social, crédito a pequenas empresas, por exemplo).
Apesar das críticas de alguns economistas à Emenda e o fato de que ela foi parcialmente posta de lado, é importante notar que a necessidade de responsabilidade fiscal continua viva e é uma base comum de todos os candidatos que concorrem à presidência neste ano (2022).
Além da Lei do limite de gastos, foi também implantado em 2016 (Projeto de Lei nº 13.334/2016) um novo Programa de Parcerias e Investimentos (PPI) para avaliar e preparar concessões e parcerias público-privadas no Brasil, que obteve grande sucesso no papel de coordenar todas as partes interessadas, melhorando a transparência, a segurança jurídica dos projetos e em assegurar que projetos viáveis fossem submetidos a licitações públicas.
Os esforços do PPI resultaram em 81 ativos (aeroportos, estradas, portos, ferrovias) transferidos para empresas privadas, 99 autorizações para novos terminais portuários, R$ 90 bilhões em investimentos e R$ 20 bilhões em doações ao Governo Federal entre 2019-2021. A previsão até 2022 é oferecer projetos que representem R$ 164 bilhões em investimentos adicionais.
Vale a pena mencionar que muitos Estados e cidades brasileiras criaram programas similares para preparar seus projetos de infraestrutura para licitações públicas, transferindo sua administração para empresas privadas, de estradas estaduais a parques, passando por cadeias, iluminação pública, hospitais e escolas.
O Congresso Nacional aprovou em 2017 a reforma trabalhista (Projeto de Lei nº 13.467/2017), que simplificou as regras, aumentou a segurança jurídica neste campo e privilegiou negociações diretas entre empregados e empregadores para concluir e alterar os contratos de trabalho. Em 2 anos após a aprovação da reforma trabalhista, houve redução de 34% do número de processos em juízo sobre este tipo de matéria, o que representa menos burocracia e custos de transação para fazer negócios no Brasil.
Não menos importante, a reforma eleitoral aprovada em 2017 (Projeto de Lei nº 13.488/2017) tende a ter efeitos de longo prazo na política brasileira, com impactos também econômicos. O texto estabeleceu um limite de gastos em cada votação, mínimo de votos como requisito para que o partido continue recebendo recursos públicos e proíbe alianças entre os partidos apenas para as eleições.
Espera-se que estas mudanças fortaleçam os partidos, a filiação de candidatos que realmente concordam com o programa do partido e que diminuam o número de partidos de 33 para algo em torno de 8-10 partidos.
Em 2019, no primeiro ano de mandato do Presidente Jair Bolsonaro, foi aprovada a reforma da previdência (Emenda Constitucional nº 103), que começou a ser negociada em 2016. O texto aprovado prevê uma redução dos gastos com a previdência pública de R$ 850 bilhões.
O Congresso Nacional fez progressos significativos nas discussões sobre a reforma tributária de 2019 a 2022, permitindo construir algumas bases comuns em relação ao texto (Projeto de Emenda Constitucional nº 110/2019).
Quando aprovada, ela liberará parte da renda das famílias pobres do País, permitindo o aumento do consumo e da poupança familiar. Também tende a fomentar a reindustrialização brasileira, pois diminui a carga tributária sobre o setor industrial e seus suprimentos.
Várias reformas microeconômicas foram aprovadas pelo Congresso Nacional nos últimos anos que ajudam a diminuir o custo das transações comerciais no Brasil.
Diferentemente das eleições de 2018, quando muitas pessoas de fora da política foram eleitas, a campanha de 2022 no Brasil irá privilegiar os políticos profissionais. Além do consenso acima mencionado sobre responsabilidade fiscal e necessidade de encontrar o caminho para o desenvolvimento (através da produtividade e investimento), a população brasileira espera medidas para a redução das desigualdades.
Estas expectativas e preferências para políticos profissionais favorecem partidos organizados como (PT, PSD, União Brasil, PP, PL, PSB, Republicanos e PDT). Essa tendência tem sido observada nas eleições municipais realizadas em 2020, quando estes partidos se fortaleceram.
Além disso, as mudanças nas legislações feitas de 2011 a 2021 em relação às restrições a decretos presidenciais, controle orçamentário pela Câmara, distribuição de fundos eleitorais com base no número de congressistas eleitos, requer grande atenção do Congresso, que tem a capacidade de criar e liderar questões legais independentemente do Poder Executivo. O núcleo do poder para elaborar políticas públicas não é mais um monopólio do Presidente no Brasil.
Tendo isto em mente, a eleição presidencial tende a ser polarizada entre o ex-presidente Lula e o presidente Bolsonaro. Não há muito espaço para um terceiro candidato na disputa porque os principais partidos devem se associar cedo com um candidato viável para fomentar as candidaturas de seus próprios deputados e senadores, que alimentam o partido com poder e recursos.
A consequência disso é que o candidato que ganhar a disputa presidencial provavelmente começará seu governo já com muitos apoiadores no Congresso, arrastando para si os partidos que o apoiaram durante o período eleitoral.
Outra observação importante que deve ser feita é que a coligação de partidos de esquerda tende a eleger muitos parlamentares, mas o Congresso continuará a ser dominado por partidos de centro.
Neste cenário, a questão principal seria se os principais assuntos do governo 2023-2026 seriam significativamente diferentes, dependendo de quem ganhasse. Enfatizando o consenso já mencionado, as reformas já aprovadas (trabalhistas e previdenciária), a maturidade do debate sobre a reforma tributária e as reformas microeconômicas colocadas em prática, a conclusão é que, apesar das diferenças no discurso e nas formas de implementar as ações, a agenda política do próximo governo se manterá inalterada.
Neste sentido, as parcerias público-privadas muito provavelmente terão continuidade e o pipeline de projetos em preparação será reforçado (principalmente devido a limitações fiscais do Governo).
Além disso, o controle da inflação, o ajuste das despesas públicas (o rigor do ajuste e o debate de alternativas à lei do teto de gastos tendem a diferir dependendo do presidente que ganhar).
Com relação a investimentos, um governo de esquerda tende a fazer um esforço para dar espaço ao investimento público junto com o investimento privado, reforçando o papel do FI-FGTS, do BNDES e de outros bancos estatais.
Além das oportunidades que serão destravadas com um crescimento sustentável do PIB se este cenário se confirmar, as lacunas de produtividade e investimento que o Brasil apresenta abrirão espaço para muitas oportunidades de negócios.
Ilustrando essas oportunidades, pode-se mencionar o setor de seguros, onde apenas 15% da população brasileira tem seguro de vida, 30% tem seguro automóvel, 24% tem seguro de saúde e menos de 10% tem sistema de previdência privada.
O setor de infraestrutura do Brasil é muito promissor. A recente reforma em alguns marcos regulatórios promove o desenvolvimento do setor e, especificamente no setor de energia, as condições naturais brasileiras favorecem o País: a energia eólica representa 11% da matriz e a solar menos de 2%.
O Brasil também tem um grande potencial para agregar valor sobre o gás e produzir hidrogênio verde no País.
Enquanto o PIB do agronegócio brasileiro cresce cerca de 10% ao ano, os investimentos em estradas, portos e aeroportos não estão sendo suficientes para manter e melhorar a produtividade das mercadorias. Isto representa uma grande oportunidade em termos de demanda.
Deve-se notar que a implementação da 5G no Brasil ajudará na produtividade geral de todos os setores (industrial, de serviços e agronegócios). Além disso, o grande volume dos investimentos necessários combinados com grandes TIRs também tendem a atrair investimentos para o país.
Embora os enormes desafios que o Brasil enfrenta para encontrar o caminho para o crescimento sustentável, a principal restrição para o desenvolvimento brasileiro é o baixo nível de investimento. Qualquer grupo que governe o Brasil terá que buscar um ajuste fiscal para poder contar com a confiança dos investidores privados. A única dúvida é qual será a intensidade do ajuste que se fará e se será suficiente.
Com os investimentos de volta no caminho certo, espera-se que outros indicadores melhorem, permitindo ao governo ter lucro e melhorar seus próprios investimentos e gastos sociais. Quando o País retomar sua estabilidade fiscal e investimentos, não haverá escassez de bons projetos ou de setores promissores.
Evaristo Pinheiro é sócio administrador de escritório de advocacia