Quase 90% dos mortos por policiais em 2023 eram negros, diz estudo
Pesquisa destaca peso do racismo na segurança pública
Uma pesquisa da Rede de Observatórios da Segurança, divulgada nesta quinta-feira (7), revelou dados alarmantes sobre a letalidade policial no Brasil. Em 2023, 4.025 pessoas foram mortas em ações policiais, sendo que em 3.169 casos foi possível identificar a cor ou raça das vítimas. Desses, 87,8% (ou 2.782) eram negras, refletindo uma disparidade alarmante nas mortes ocorridas em intervenções do Estado.
O estudo, que compõe a quinta edição do boletim ‘Pele Alvo: Mortes Que Revelam Um Padrão’, destaca o peso do racismo estrutural na segurança pública. Segundo Silvia Ramos, cientista social e coordenadora da Rede de Observatórios, os números são “escandalosos” e evidenciam um problema profundamente enraizado no país. Ela ressalta que o racismo não se limita a uma única área, mas se manifesta em diversos setores como saúde, educação e mercado de trabalho, tendo na segurança pública sua face mais letal.
A pesquisa aponta uma grande disparidade entre os estados brasileiros quando o assunto é a letalidade policial. A Bahia é o estado com a maior taxa de mortes em 2023, com 1.702 vítimas, o segundo maior número desde 2019. Seguem-se Rio de Janeiro (871), Pará (530), São Paulo (510) e Ceará (147), entre outros. A análise destaca um agravamento da situação na Bahia, onde houve um aumento de 161% nas mortes desde 2019. “Ao invés de coibir o uso excessivo da força, o governo incentivou a ação letal”, afirma Silvia Ramos.
Na avaliação de Ramos, a política de segurança em alguns estados estimula a violência policial. “Quando os policiais matam muito e recebem congratulações, isso cria um ciclo de violência cada vez mais intenso”, completa.
A juventude negra
Outro dado alarmante do estudo é a predominância de jovens negros entre as vítimas de letalidade policial. A faixa etária mais atingida é a de 18 a 29 anos, com destaque para o Ceará, onde 69,4% das vítimas pertenciam a essa faixa etária. Em todo o país, o levantamento também revela que 243 vítimas tinham entre 12 e 17 anos. A cientista social enfatiza que a maioria das vítimas é composta por jovens negros de áreas periféricas, sujeitos a um tratamento diferenciado pela polícia.
Falta de transparência nos dados
Embora alguns estados apresentem uma redução na letalidade policial, como Amazonas (-40,4%) e Maranhão (-32,6%), a pesquisa revela que o número de vítimas negras aumentou em alguns desses locais. O Ceará, por exemplo, registrou um crescimento de 27% nas mortes de negros, enquanto o Pará teve uma alta de 13,7%.
Por outro lado, estados como Pernambuco e São Paulo viram um aumento significativo no número de mortes policiais: 28,6% e 21,7%, respectivamente. Em Pernambuco, a polícia registrou três vítimas negras por dia em 2023.
Ainda mais preocupante é a falta de dados completos sobre raça e cor em várias regiões. No Maranhão, apenas 32,3% das vítimas tiveram o perfil racial registrado, e no Ceará, 63,9% das mortes não têm essa informação. Em um total de 856 vítimas em nove estados, não foi possível identificar a raça ou cor.
A Rede de Observatórios da Segurança conclama os governos a serem mais transparentes com as informações e a garantir que todos os dados sobre a raça das vítimas sejam fornecidos de forma completa. Isso é visto como essencial para um diagnóstico mais preciso e para o desenvolvimento de políticas públicas que combatam a violência e promovam a segurança para todos.