Especialistas dizem se atentado em Brasília foi ou não ato terrorista
À luz do direito, advogados não percebem terrorismo, apesar da gravidade do ato
Por Francisco Costa
Na última semana, Brasília sofreu um atentado, com explosões em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF). Naquele momento, o ministro Alexandre de Moraes chegou a usar o termo terrorismo, mas seria, de fato, conforme a legislação brasileira? O jornal O HOJE consultou especialistas.
O advogado especialista em Direito Penal e Processo Criminal, Paulo Castro, afirma que o atentado praticado por Francisco Wanderley Luiz na Praça dos Três Poderes, apesar da incontestável gravidade, somado ao contexto político nacional, reacendeu o debate sobre o que caracteriza terrorismo no Brasil.
“A Lei nº 13.260/2016 define o crime como atos violentos motivados por xenofobia, preconceito ou discriminação, com o objetivo de gerar terror social. No entanto, o caso de Wanderley, por não apresentar essas motivações específicas, não se enquadra tecnicamente como terrorismo, ainda que tenha causado profundo impacto na sociedade”, explica.
Ainda conforme Castro, a ausência de previsão legal para atos violentos com motivações políticas ou direcionados a instituições públicas, como o ocorrido, revela uma limitação da atual Legislação, um verdadeiro limbo. “Casos como esse acabam sendo analisados sob outros tipos penais, como tentativa de homicídio ou crimes contra a segurança pública, mas deixam uma lacuna importante para situações que desafiam a ordem pública.”
Para ele, essa realidade expõe a necessidade de reformulação da Lei Antiterrorismo. Também segundo Paulo, incluir motivações políticas e ataques a órgãos de governo no conceito de terrorismo poderia fortalecer a proteção do Estado democrático. “Mais do que nunca, é fundamental alinhar a legislação à realidade dos novos desafios de segurança pública e preservação das instituições”, enfatiza.
O Jornal O HOJE também consultou o professor e advogado constitucionalista Clodoaldo Moreira. “Analisando tecnicamente o caso sob a luz da Lei 13.260/2016, não posso classificar o atentado como terrorismo. Nossa legislação é muito clara ao definir que só configura terrorismo atos motivados por xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião”, endossou o colega criminalista. “Embora eu reconheça a extrema gravidade do atentado em Brasília, que claramente visou causar terror e atacar nossas instituições democráticas, preciso ser técnico: ele não se enquadra nos motivos previstos em lei. Este caso deve ser processado por outros tipos penais previstos em nosso código”, reforçou.
Clodoaldo também reforçou a necessidade de modernização da nossa lei antiterrorismo, pois considera a atual legislação muito restritiva por não contemplar atentados com motivação política ou ideológica contra instituições democráticas. “Vejo com bons olhos o PL 83/2023, que propõe incluir a motivação política como elemento do crime de terrorismo. [Mas] na minha avaliação prática do caso, independente da tipificação legal atual, reconheço claras características de uma ação terrorista: houve intenção de causar terror social, ameaça à paz pública e risco concreto a pessoas e ao patrimônio público. Mas, como jurista, preciso me ater ao que diz a lei vigente.”
Da mesma forma, o advogado Jairo Neto diz que, “tecnicamente falando, não pode enquadrar o ato ocorrido em Brasília como um ato terrorista”. Segundo ele, “a lei requer motivações específicas para algo ser considerado terrorismo, e ações fora dessas especificações devem ser enquadradas em outros crimes”. Ainda assim, ele diz que isso significa que, embora um ato possa não ser legalmente classificado como terrorismo, ele ainda pode ser entendido como tal em um contexto mais amplo, como político ou social. “Esse debate ressalta a distinção entre o uso técnico-jurídico do termo e seu uso na linguagem política e moral.”
Consonância
Os advogados criminalistas Kelvin Wallace Castro Santos e Thalles Roberto Cordeiro Villar Lopes também comentaram a situação a pedido do veículo de comunicação. Eles reconhecem que, após o atentado, muito foi debatido entre jornalistas e juristas sobre a responsabilização criminal de fatos de tal natureza.
“A respeito do tema, é compreensível que ele seja tratado por parte da sociedade como um ato terrorista. Inclusive, em entrevista após o ocorrido, o Ministro Alexandre de Moraes efetivamente considerou o disparo dos explosivos em frente ao Supremo Tribunal Federal como uma ação de tal natureza”, iniciaram. “Entretanto, quando analisamos a questão estritamente sob a ótica técnico-jurídica, essa constatação não pode prevalecer”, continuam.
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Destaca-se que a dupla mantém a mesma visão dos demais especialistas. Eles citam, mais uma vez, que a legislação elenca casos específicos para a tipificação do crime de terrorismo no Brasil: “Por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião.”
Todavia, eles reforçam que, apesar da impossibilidade de aplicação da referida lei a atentados praticados em decorrência de causas políticas, nada impede que indivíduos que cometam tais atos sejam responsabilizados por outros crimes. “A título de exemplo, pode-se compreender que condutas como a de Francisco Wanderley Luiz se amoldariam ao delito de ‘tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito’, previsto no artigo 359-L do Código Penal, visto que, ao que as investigações preliminares indicam, houve a tentativa de impedir ou restringir o exercício de um dos poderes constitucionais, o Poder Judiciário”, concluem.
Atentado
Na noite de 13 de novembro, um carro explodiu nos arredores de prédios governamentais do Brasil. Uma explosão ocorreu nas proximidades do Supremo Tribunal Federal, na Praça dos Três Poderes, em Brasília. O incidente resultou na morte de uma pessoa. A vítima foi encontrada em frente à sede do STF.
Trata-se de Francisco Wanderley Luiz, de 59 anos, conhecido como Tiü França. Ele foi o responsável pela explosão. Ex-candidato a vereador em Rio do Sul (SC) pelo Partido Liberal (PL) em 2020, ele anunciou previamente o ato em suas redes sociais e explicou a escolha da data: “Eu não gosto do número 13.”
Tiü França compartilhou prints de mensagens enviadas a si próprio no WhatsApp, onde detalhava seu plano de explosão e criticava políticos de esquerda, chamando-os de “comunistas”. Em uma das mensagens, ele afirmou que a data, além de representar uma aversão pessoal, tinha, para ele, um significado sombrio: “Tem cheiro de carniça igual cachorro quando morre.”
Além disso, o homem, que era conhecido por suas críticas ferozes a figuras políticas, atacou, entre outros, o vice-governador Geraldo Alckmin (PSB), os ex-presidentes José Sarney e Fernando Henrique Cardoso, e o jornalista William Bonner, apresentador do Jornal Nacional em publicações