Com raízes no sertanejo e alma pop rock, Mr. Gyn revisita sua origem no Mandavê
Anderson e Marcos contam como a música entrou em suas vidas
Na última quarta-feira (16), o podcast da banda Mandavê, apresentado pelo músico e comunicador Juan Alaesse, recebeu dois convidados que carregam em sua trajetória uma das mais sólidas histórias do pop rock brasileiro. A conversa intimista teve como protagonistas Anderson e Marcos, dois representantes da Mr. Gyn, banda goiana que marcou época no início dos anos 2000 e, até hoje, segue ativa e relevante.
O primeiro a compartilhar sua história foi o vocalista Anderson, que, antes de se tornar conhecido nacionalmente, cresceu imerso num ambiente onde a música era tão natural quanto as conversas de fim de tarde. Em sua casa, o som do violão do pai era trilha sonora frequente — e os repertórios iam do sertanejo raiz a clássicos internacionais como Bee Gees, Simon & Garfunkel e The Beatles. Essa convivência formou uma base musical eclética e afetiva.
Ainda criança, o cantor percebeu que cantar era mais do que uma diversão: era um modo de se conectar com o mundo. “Eu entrava nas rodas da família e cantava um pouquinho. Me fazia bem. Era como socializar cantando”, relembrou. A música, no entanto, permaneceu como hobby até a juventude. Já na faculdade de Engenharia Civil, uma viagem às margens do Rio Araguaia foi o gatilho que reacendeu a chama. Um encontro despretensioso com músicos naquele cenário bucólico resultou na criação de uma banda universitária — um projeto ainda informal, mas revelador.
Naquele momento, ele tomou uma decisão corajosa: não seguiria a profissão que cursava. Escolheria o caminho da arte. O apoio do pai foi imediato, mesmo vindo de uma tradição sertaneja que, a princípio, poderia parecer distante do universo do pop rock. “Meu pai me surpreendeu. Disse que apoiaria a banda. Foi respeitoso e visionário”, contou, emocionado. O primeiro show aconteceu em dezembro de 1997. Pouco depois, em março de 1998, o grupo iniciava oficialmente a trajetória que daria origem à Mr. Gyn. Três meses após a formatura do filho, o pai faleceu, deixando um legado de apoio e confiança que se tornaria parte indissociável da história da banda.
Na segunda parte do episódio, foi a vez do baterista Marcos revisitar suas origens musicais. Com memórias vivas, ele descreveu como o som de uma simples caixa de fósforos batida ritmadamente pelo pai na cozinha foi seu primeiro contato com o universo dos ritmos. “Aquela imagem ficou marcada. Acho que foi ali que o ritmo me capturou pela primeira vez”, afirmou.
Sem acesso a instrumentos, o jovem criava percussões improvisadas com objetos domésticos. Baldes, carteiras, latas — tudo servia para experimentar batidas. As rádios da época também foram fundamentais, especialmente as que transmitiam sucessos do rock nacional e do pop internacional dos anos 80.
O garoto se virou como pôde: improvisava com baldes e carteiras escolares, batucando ao som das músicas que ouvia no rádio. As influências vieram de todos os lados — tios que traziam fitas cassetes de Brasília, o auge do rock nacional nos anos 1980 e a programação das rádios locais. Um dia, ouviu um som diferente vindo de uma garagem no bairro Jardim América. Seguiu o barulho e descobriu uma banda. Assistir aquilo de perto, sentado no meio-fio, foi transformador. “Era como se tudo que eu escutava ganhasse forma. Aquilo me pegou de jeito”.
A partir dali, passou a frequentar igrejas, onde teve seu primeiro contato direto com a bateria. Em 1995, fundou sua primeira banda, chamada Atman, e passou a integrar ativamente a cena musical de Goiânia. Durante esse período, conheceu os músicos da Mr. Gyn e passou a acompanhá-los de perto. Já com uma banda própria e compondo suas músicas, viu na amizade com os colegas uma troca criativa importante.
Mesmo sendo baterista, sempre teve envolvimento com a composição. Para ele, criar letras e melodias era uma forma de dar identidade à banda. “Naquela época, compor era algo muito individual. Não existiam tantos grupos de compositores como hoje. A gente criava na necessidade e pela vontade de dizer algo próprio”, explicou. Algumas de suas composições chegaram a ser gravadas pela Mr. Gyn, o que fortaleceu ainda mais sua ligação com o grupo.
Um legado que atravessa décadas
Formada oficialmente no final dos anos 90, a Mr. Gyn se destacou rapidamente no cenário nacional. O sucesso veio com o álbum “Você Sabe Muito Bem” (2001), puxado pelo hit “Minha Juventude”, que estourou após ser incluído na trilha sonora da novela Malhação, da TV Globo. A canção se tornou símbolo de uma geração e abriu portas para a banda em todo o Brasil.
Com letras que mesclam introspecção, amor e amadurecimento, a discografia da banda inclui álbuns como “Cartas do Tempo”, “Por Onde Você For” e versões acústicas que mostram a versatilidade do grupo. Após a fase com gravadora, seguiram de forma independente, priorizando a liberdade criativa e a conexão genuína com o público.
Mesmo fora do eixo Rio-São Paulo, a banda goiana construiu uma base fiel de fãs e permanece ativa, participando de festivais, eventos regionais e mantendo forte presença nas redes sociais. Ao longo de mais de 25 anos de história, os integrantes souberam manter viva a essência que os uniu: o respeito à própria origem, o carinho pelas raízes musicais e a coragem de trilhar um caminho próprio.