A infância no século do algoritmo
O vocabulário, os medos e os sonhos de quem cresce deslizando o dedo
Uma criança de seis anos olha para a câmera e repete, com entonação de youtuber: “Oi, gente, tudo bem com vocês?” A frase não é dela, mas já soa como se fosse. Nos últimos anos, aplicativos como TikTok e YouTube Kids se tornaram parte da rotina de milhões de crianças brasileiras, e estão moldando não apenas o que elas assistem, mas como falam, brincam, pensam e sentem.
Segundo a TIC Kids Online, cerca de 93% das crianças brasileiras entre 9 e 10 anos já acessam a internet. A maioria o faz por celulares próprios. Mas o dado mais revelador talvez esteja na forma: vídeos curtos, conteúdos com repetição, algoritmos que recompensam impulsividade e hiperatenção. Crianças que antes repetiam falas de desenhos agora recitam trends. Trocar de vídeo a cada cinco segundos não é distração, é regra do jogo.
A linguagem muda. O tempo de concentração encurta. Emoções são traduzidas em sons rápidos ou reações editadas. As conversas reais diminuem, enquanto os desafios virtuais crescem. Algumas escolas relatam dificuldade de manter o interesse dos alunos em leituras lineares. Psicólogos apontam aumento de ansiedade e comparações precoces com padrões inatingíveis de aparência e estilo de vida. A infância, dizem, deixou de ser lenta.
Mas não se trata de nostalgia. O problema não é a tecnologia, e sim a lógica que a comanda. O algoritmo não brinca, calcula. Ele entrega o que prende, não o que liberta. E prende cedo. Muitas crianças passam mais horas diárias diante da tela do que brincando ao ar livre ou conversando com os pais.
Enquanto isso, desenvolvedores aprimoram interfaces para bebês, e influenciadores mirins ganham cifras milionárias. O mercado é ágil. A infância, nem tanto. Mas já aprendeu a deslizar o dedo para cima antes mesmo de aprender a escrever.