A “profunda desnacionalização” da economia brasileira nos anos 1990
“A despeito da narrativa comum de que o Brasil é um país fechado ao investimento estrangeiro, os dados apontam o contrário”, afirma o economista Paulo Gala, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e até recentemente economista-chefe do Banco Master, envolvido numa transação polêmica com o Banco Regional de Brasília (BRB) e em operações um tanto obscuras relacionadas à emissão de Certificados de Depósito Bancário (CDB) a taxas muito acima daquelas praticadas pelo mercado. Apesar de tudo, as análises do economista, especialmente antes de assumir a chefia do departamento econômico do Master, caminhavam contra o consenso macroeconômico que tem vigorado no País nas últimas décadas, defendendo caminhos alternativos para o desenvolvimento brasileiro, centrados na busca de um renascimento da indústria e na sua modernização, de forma a reforçar as estruturas industriais e agregar ramos de atividade mais complexos e inovadores.
Recorrendo à série de dados históricos do Banco Central (BC) sobre a participação de capitais estrangeiros na economia brasileira, Gala mostra que aquelas estatísticas confirmam “uma tendência de profunda desnacionalização iniciada na segunda metade dos anos 1990”. O período vem na sequência da abertura atabalhoada do mercado brasileiro promovida no governo Fernando Collor, no início daquela década, e coincide ainda com a política de juros altos e de valorização do real frente ao dólar promovida pela equipe econômica no governo de Fernando Henrique Cardoso, a partir de 1994, o que barateou bens e mercadorias importadas, além de acelerar a atração de dólares meramente especulativos.
“Esse período marcou um ‘salto quântico’ na presença do capital estrangeiro”, registra ele. Entre 1995 e 1999, “a relação entre o investimento estrangeiro direto (IED) e a formação bruta de capital fixo (o investimento em bens de capital, o que inclui máquinas e equipamentos, a produção de softwares, assim como de caminhões e ônibus, entre outros ativos) saltou de 2,5% para 24,6%”, acrescenta Gala. O salto de quase dez vezes aprofundou a desnacionalização e ampliou o fluxo de dólares para fora do País sob a forma de remessas de lucros e dividendos.
Domínio estrangeiro
Esse movimento acelerado de investimentos estrangeiros, em geral encarado como um fator positivo por ajudar a promover o crescimento e a expansão da capacidade produtiva do País, no entanto, resultou também “em um crescimento significativo do controle estrangeiro sobre o estoque de capital fixo [o conjunto de instalações industriais, seu maquinário e todos os bens utilizados pela economia em seu processo produtivo] – de 6,8% para 12,4%. O impacto também se manifestou na elevação da participação estrangeira no estoque líquido de riqueza nacional (de 5,7% para 9,7%) e no valor bruto da produção (de 13,5% para 24,6%)”, anota ainda Gala.