Cenas de novela impulsionam procura por pensão alimentícia
Defensorias registram aumento de atendimentos após exibição de episódio que retrata maternidade solo; número de mães negras chefes de família cresceu 1,5 milhão em dez anos
A exibição de uma cena da novela Vale Tudo, da TV Globo, reacendeu nas últimas semanas o debate sobre a maternidade solo no Brasil e provocou um aumento na busca por direitos legais em defensorias públicas de diferentes estados. O episódio retratou o momento em que uma empregada doméstica, orientada por uma estudante de Direito, solicita pensão alimentícia pelo aplicativo da Defensoria Pública.
O impacto foi imediato. A Defensoria Pública do Rio de Janeiro registrou um crescimento de 300% na média de acessos por minuto no sistema online logo após a transmissão do capítulo. Em São Paulo, os pedidos de pensão alimentícia aumentaram 50% na semana seguinte.
A cena de ficção reflete uma realidade que atinge principalmente mulheres negras. De acordo com estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), das 11,3 milhões de mães solo no Brasil em 2022, 7 milhões são negras. Entre 2012 e 2022, o número de lares chefiados por mães solo cresceu 17,8%, sendo que 1,5 milhão desse crescimento foi entre mães negras.
A pesquisa aponta ainda um cenário de vulnerabilidade econômica acentuada. Mães negras solo têm rendimento médio mensal de R$ 1.685, valor 39,2% menor do que outras mulheres na mesma condição e 51% inferior ao de homens casados com filhos (R$ 3.438). Segundo a economista Janaina Feijó, autora do estudo, a disparidade é explicada por fatores como escolaridade e idade da primeira maternidade. Apenas 9% das mães negras solo têm ensino superior.
Além das dificuldades financeiras, essas mulheres enfrentam desigualdades no mercado de trabalho e alta exposição à pobreza. O rendimento médio geral das mães solo no Brasil é de R$ 2.105, também abaixo da média das mulheres casadas com filhos (R$ 2.626).
De acordo com o Código Civil, a pensão alimentícia é um direito da criança e deve assegurar alimentação, moradia, saúde, educação e lazer. A Defensoria Pública tem atuado como canal acessível para formalizar pedidos, especialmente para mulheres em situação de vulnerabilidade.
O aumento na procura por esse tipo de assistência, catalisado por uma cena de novela, expõe a força da dramaturgia em mobilizar o debate público e revela a urgência de políticas voltadas à equidade racial e de gênero na estrutura familiar brasileira.