Inteligência artificial ajuda a desvendar estilos de autoria nos primeiros livros da Bíblia Hebraica
Estudo internacional publicado na revista PLOS One identifica três padrões linguísticos distintos nos nove livros iniciais da Bíblia, abrindo caminho para novas análises de textos antigos
Pesquisadores de diversas universidades aplicaram técnicas de inteligência artificial, estatística e linguística para identificar prováveis autores dos primeiros livros da Bíblia Hebraica. O estudo, publicado na revista científica PLOS One, analisou passagens do Eneateuco — conjunto que inclui Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio, Josué, Juízes, 1º e 2º Samuel e 1º e 2º Reis — e encontrou três estilos de escrita distintos, sugerindo tradições textuais diferentes.
O trabalho foi liderado por Shira Faigenbaum-Golovin, professora de matemática da Universidade Duke, nos Estados Unidos, e contou com a participação de especialistas em arqueologia e linguística de instituições como a Universidade de Haifa e o Collège de France. O modelo desenvolvido identificou diferenças sutis, mas consistentes, no uso de palavras e construções frasais simples, como os termos “não”, “qual” e “rei”.
A pesquisa partiu da análise de três grandes blocos da Bíblia Hebraica: o livro de Deuteronômio, o conjunto histórico conhecido como “História Deuteronomista” (de Josué a Reis) e os trechos sacerdotais da Torá. Utilizando um modelo estatístico adaptado, os cientistas conseguiram atribuir com precisão capítulos específicos a um dos três estilos detectados, mesmo quando os trechos analisados eram curtos e fragmentados.
A base da metodologia desenvolvida foi a comparação da frequência de palavras, raízes lexicais e padrões de frase. O modelo foi testado com 50 capítulos previamente classificados por estudiosos bíblicos, servindo de parâmetro para os casos em que a autoria ainda é debatida. Ao aplicar a ferramenta em textos com atribuição incerta, o sistema conseguiu identificar com alta probabilidade o grupo de escribas mais alinhado com cada estilo linguístico.
Entre os resultados, o capítulo de 1º Samuel mostrou-se desconectado dos três estilos principais, enquanto 2º Samuel foi alinhado à tradição da “História Deuteronomista”, indicando possível autoria comum com outros livros históricos da Bíblia. Segundo os autores, a principal vantagem da abordagem adotada é a capacidade de indicar com clareza quais palavras ou construções determinaram a atribuição estilística.
O estudo é uma extensão de investigações anteriores conduzidas por Faigenbaum-Golovin, como a análise de inscrições em fragmentos de cerâmica do século 6 a.C., também baseadas em estatísticas e modelagem textual. Agora, os pesquisadores pretendem empregar a mesma metodologia em outros documentos históricos, como os Manuscritos do Mar Morto.