Checar o celular virou compulsão
Estudos apontam que o vício em notificações já afeta atenção, sono e vínculos sociais, com sintomas comparáveis ao uso de drogas
O gesto é repetido centenas de vezes ao dia, sem que se perceba. A mão alcança o bolso, o polegar desbloqueia a tela, os olhos percorrem ícones coloridos. Nenhum alerta novo. Mesmo assim, o celular é verificado. Em seguida, mais uma vez. E de novo. A compulsão por checar notificações, mesmo ausentes, se espalhou entre adolescentes, adultos e idosos como um fenômeno cotidiano. Estudos mostram que esse comportamento se aproxima de padrões de dependência, com impactos relevantes para a saúde mental, a produtividade e as relações interpessoais.
No Brasil, um levantamento de abril de 2025 publicado pela coluna da jornalista Mônica Bergamo apontou que 44% dos adolescentes brasileiros se consideram viciados em celular, com maior incidência entre meninas, que chegam a 52%, e meninos, 40%. O mesmo estudo revelou que mais da metade das meninas apresenta sintomas de ansiedade relacionados ao uso do aparelho, além de insônia, distúrbios alimentares e pensamentos suicidas.
A dopamina como alavanca do comportamento
A busca constante por atualizações ativa o sistema de dopamina do cérebro, neurotransmissor responsável pela sensação de recompensa. É o mesmo mecanismo ativado por drogas psicoativas e jogos de azar. O efeito, a longo prazo, é o desenvolvimento de tolerância. O cérebro exige cada vez mais estímulos para produzir o mesmo nível de prazer. O comportamento que antes era ocasional se torna frequente, depois automático. A pessoa passa a verificar o celular dezenas ou centenas de vezes ao dia, mesmo quando não há expectativa real de novas mensagens.
No Brasil, o Instituto Real Time Big Data mostrou em setembro de 2024 que 67% da população relata sentir ansiedade ao esperar respostas em aplicativos de mensagem, e 58% admite perder o foco com facilidade por causa de notificações. O impacto é direto sobre a produtividade, a memória de curto prazo e o raciocínio aprofundado. Com a atenção fragmentada, o indivíduo executa tarefas de forma descontínua, tem mais dificuldade para reter informações e termina o dia com a sensação de ter estado ocupado, mas improdutivo.
Do jovem ao idoso, o vício se espalha
A dependência digital não atinge apenas os mais jovens. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em 2023, 98,8% da população com mais de dez anos utiliza o celular para acessar a internet. O uso entre pessoas com mais de 60 anos cresceu de 44,8% em 2019 para 66% em 2023. Além disso, 86,5% dos idosos conectados fazem uso diário do aparelho. O tempo prolongado de exposição às telas, associado à necessidade de se manter constantemente conectado, tem criado perfis de vício mesmo entre aqueles que há poucos anos não eram usuários ativos de tecnologia móvel.
A nomofobia, termo usado para descrever o medo de ficar sem acesso ao celular, tem sido amplamente estudada. Uma revisão publicada em 2024 pela Universidade de Bangalore, na Índia, estimou que cerca de 70% dos universitários no mundo apresentam níveis moderados a graves de nomofobia, e que 21% atingem níveis severos. Entre estudantes de medicina e enfermagem, essa porcentagem sobe.
As consequências desse comportamento extrapolam a saúde mental. Afetam o sono, a capacidade de concentração, o humor, a autoestima e a qualidade das relações humanas. Durante conversas presenciais, almoços familiares ou encontros com amigos, a tela do celular frequentemente toma o lugar da escuta e do olhar direto. A presença física se torna superficial quando a atenção está dividida com notificações, aplicativos e redes sociais.
A pressão social por respostas rápidas aprofunda o problema. Há uma expectativa de disponibilidade contínua no trabalho, na vida pessoal, nas interações digitais. Esse ambiente permanente de estímulo dificulta o desligamento voluntário e reforça a ideia de que estar online o tempo todo é uma obrigação. Desligar o celular se transforma, paradoxalmente, em uma transgressão.
Reconstruir o tempo fora da tela
Para romper com esse ciclo, especialistas recomendam a adoção de estratégias simples. Entre elas, desativar notificações de aplicativos não essenciais, utilizar o modo “não perturbe” durante momentos de foco ou descanso e estabelecer horários específicos para verificar mensagens. Além disso, a prática regular de atividades offline, como leitura, exercícios físicos, meditação ou convivência social, ajuda a reduzir a dependência e restaurar a autonomia sobre o próprio tempo.
Outro ponto fundamental é a construção de acordos coletivos. Informar amigos, familiares e colegas de trabalho sobre a decisão de limitar a disponibilidade digital pode ajudar a reduzir a cobrança por respostas imediatas. Estabelecer limites claros de conexão é também um gesto de respeito mútuo e de preservação da saúde mental.
O vício em notificações é um fenômeno estrutural do mundo contemporâneo. Está presente nas dinâmicas de trabalho, nas relações afetivas, no lazer e na rotina doméstica. O desafio não está apenas em reduzir o tempo de tela, mas em resgatar formas de presença e atenção que escapem à lógica da aceleração constante.