Junho Verde expõe dilema do consumo consciente em um país com fome
Enquanto produtos sustentáveis seguem inacessíveis para milhões em situação de pobreza, campanha ambiental escancara a urgência de integrar justiça social à agenda ecológica
Celebrado como o mês da conscientização ambiental, o Junho Verde tem como objetivo mobilizar a sociedade em torno de práticas mais sustentáveis. A proposta, que inclui ações de educação ambiental, estímulo ao consumo consciente e preservação dos recursos naturais, encontra forte adesão entre empresas e instituições. No entanto, no Brasil de 2025, onde mais de 62 milhões de pessoas vivem em insegurança alimentar, a sustentabilidade ainda é privilégio de poucos.
Com o crescimento do mercado verde, alimentos orgânicos, vestuário ecológico, produtos biodegradáveis e veículos elétricos se tornaram sinônimos de uma nova ética de consumo. No discurso, a responsabilidade ambiental ganha contornos de dever cívico. Na prática, no entanto, a possibilidade de escolha está condicionada à renda. Sem dinheiro para garantir refeições básicas, grande parte da população consome o que cabe no orçamento — sem margem para considerar a pegada ecológica do que leva à mesa.
O paradoxo está no centro de uma crítica cada vez mais frequente: não se pode responsabilizar populações empobrecidas por não aderirem a práticas ambientalmente corretas. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a erradicação da pobreza é o primeiro passo entre os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. A razão é simples: a sobrevivência imediata anula qualquer possibilidade de escolha crítica.
Dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN) apontam que, em 2023, cerca de 30% dos domicílios brasileiros conviviam com algum grau de insegurança alimentar. Nesse cenário, comprar alimentos livres de agrotóxicos ou apoiar marcas com responsabilidade ambiental torna-se inviável. A busca não é por selos verdes, mas por comida.
A exclusão econômica impacta também a mobilidade urbana, o acesso à energia limpa e os hábitos de consumo. Produtos com apelo ecológico, como itens biodegradáveis ou de menor emissão de carbono, continuam sendo vendidos a preços incompatíveis com a realidade da maioria. Estudo da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), publicado em 2024, mostrou que alimentos orgânicos chegam a custar até 300% a mais que os convencionais, o que os torna inacessíveis para boa parte dos consumidores.
“Sustentabilidade é essencial para garantir qualidade de vida, mas não há justiça social, tampouco ambiental, quando se acumula capital à custa dos ecossistemas, enquanto a pobreza segue exposta à doença e à violência nos espaços de convívio”, afirma a gestora ambiental Sandra Oliveira Santos. Para ela, a ideia de um futuro verde perde força quando não contempla também quem ainda não tem o que comer hoje.
No Brasil, a Política Nacional de Resíduos Sólidos e os debates sobre ESG tentam alinhar responsabilidade ambiental e inclusão social, mas os efeitos ainda são localizados. A ausência de medidas estruturantes mantém o discurso ecológico distante da vida da maioria. Como destacou o Programa Mundial de Alimentos da ONU em 2023, “não há sustentabilidade possível com desigualdade tão acentuada”.
Enquanto isso, o Junho Verde, ainda que importante para ampliar a discussão, corre o risco de se tornar uma celebração restrita — mais presente nos discursos publicitários das marcas do que na mesa das famílias brasileiras. Sem a democratização do acesso, a consciência ambiental será sempre uma escolha possível apenas para quem pode escolher.