Doação frequente de sangue pode gerar mutações protetoras contra o câncer
Os dados sugerem que a exposição repetida à renovação celular induzida pela doação de sangue pode influenciar positivamente o tipo de mutações que se desenvolvem ao longo do tempo
Uma pesquisa publicada em maio no periódico Blood, da Sociedade Americana de Hematologia (ASH), trouxe uma descoberta promissora: doadores de sangue frequentes podem desenvolver mutações genéticas potencialmente benéficas, capazes de oferecer certa proteção contra alguns tipos de câncer. O estudo analisou os efeitos genéticos da doação recorrente de sangue e levantou hipóteses sobre seus impactos na saúde hematológica a longo prazo.
A pesquisa investigou um fenômeno conhecido como hematopoiese clonal, processo em que uma célula sanguínea mutada gera cópias idênticas, algo que se torna mais comum com o envelhecimento e pode, em alguns casos, evoluir para doenças como a leucemia. A produção constante de novas células, necessária após cada doação, representa um desafio adicional para o sistema hematopoiético. Em situações normais, essa reposição ocorre de forma variada e saudável, mas mutações genéticas durante esse processo podem gerar clones celulares com potencial maligno.
Para entender melhor a relação entre esse tipo de mutação e a doação frequente, os pesquisadores compararam amostras de sangue de 217 homens que doaram sangue regularmente, cerca de três vezes por ano ao longo de quatro décadas, com 212 indivíduos que doaram de forma esporádica ou nunca haviam doado. Os resultados não mostraram diferença significativa na frequência da hematopoiese clonal entre os dois grupos. No entanto, os tipos de mutações encontradas variaram: nos doadores habituais, predominavam alterações consideradas benignas, possivelmente associadas a efeitos protetores contra doenças hematológicas graves.
Outro ponto relevante do estudo foi a análise da resposta das células a duas substâncias presentes no organismo humano: a eritropoetina, hormônio que estimula a produção de sangue, e o interferon gama, proteína associada a processos inflamatórios e ao risco de câncer. Diante da eritropoetina, as células dos doadores frequentes mostraram tendência a desenvolver clones com mutações benignas em um gene específico. Já nas células dos doadores esporádicos, a exposição ao interferon gama favoreceu a emergência de clones com maior potencial maligno.
Os dados sugerem que a exposição repetida à renovação celular induzida pela doação de sangue pode influenciar positivamente o tipo de mutações que se desenvolvem ao longo do tempo. No entanto, os próprios autores alertam que ainda é cedo para afirmar com segurança que doar sangue frequentemente oferece proteção direta contra o câncer. Novas investigações serão necessárias para confirmar essa hipótese e entender os mecanismos envolvidos.