Demanda por colágeno ameaça extinção de jumentos no Brasil até 2030
Produção de substância usada na medicina tradicional chinesa intensifica abates e provoca colapso populacional no Nordeste
O Brasil perdeu mais de 1 milhão de jumentos nos últimos 30 anos. A causa é a alta demanda pela pele desses animais para produção de eijao, um colágeno valorizado no mercado internacional, especialmente na medicina tradicional chinesa. A extração do produto, sem controle sanitário ou cadeia produtiva estruturada, colocou a espécie em risco de desaparecer completamente do território nacional antes do fim da década.
Entre 1996 e 2025, o rebanho nacional caiu de 1,37 milhão para apenas 78 mil animais, uma redução de 94%, segundo levantamento da Frente Nacional de Defesa dos Jumentos. A atividade é legalizada e ocorre em três frigoríficos com autorização federal, todos na Bahia. Mas pesquisadores e entidades apontam que o ritmo de abate é insustentável, superando a capacidade de reprodução da espécie.
A situação no Brasil reflete uma tendência global. Em países como Egito, Nigéria e outros da África Subsaariana, os jumentos já praticamente desapareceram, impulsionando debates internacionais sobre conservação e bem-estar animal. A indústria do eijao abate cerca de 5,9 milhões de jumentos por ano, movimentando cerca de US$ 6,4 bilhões.
Além do impacto ambiental, os efeitos sociais também são significativos. Estudo recente mostrou que a retirada desses animais afeta diretamente a vida de mulheres e famílias que dependem dos jumentos para transporte, abastecimento de água e geração de renda em áreas rurais. Com a escassez, o preço dos animais subiu até cinco vezes em regiões do Nordeste, tornando inviável sua reposição.
Apesar da urgência, o Congresso Nacional ainda não aprovou o projeto de lei que propõe a proibição do abate em todo o país. A proposta, apresentada em 2022, permanece sem avanços. Em estados como Alagoas e Ceará, iniciativas buscam proteger os animais por meio de santuários, terapias assistidas e reinserção em atividades rurais.
O desaparecimento dos jumentos é também um sintoma do abandono provocado pela mecanização agrícola, que reduziu seu uso na agricultura familiar. Muitos foram deixados à própria sorte, sem proteção, tornando-se alvos fáceis para o comércio ilegal de peles. Em algumas cidades, restam bolsões de resistência, como Jericoacoara e Santa Quitéria, no Ceará, onde pequenas populações sobrevivem em áreas isoladas.
Especialistas alertam que, sem medidas efetivas, o Brasil pode repetir o colapso observado em outros países. A conservação da espécie exige ações urgentes, que incluem a proibição do abate, a criação de políticas públicas de proteção animal e o fortalecimento de alternativas sustentáveis.