Doação de óvulos cresce e já responde por 12% das gestações por FIV
Avanços como inteligência artificial e epigenética ampliam as possibilidades da ovorecepção e desafiam antigos paradigmas genéticos
Em um país onde a fertilização in vitro deixa de ser exceção e passa a compor o cotidiano reprodutivo de milhares de mulheres, a doação de óvulos se firma como uma estratégia em ascensão. De 2019 a 2023, segundo levantamento da Red Latinoamericana de Reproducción Asistida (Redlara), mais de 18.500 pessoas doaram óvulos no Brasil. Nesse mesmo intervalo, aproximadamente 5.000 crianças nasceram a partir dessas doações, o que representa 12,5% dos nascimentos por FIV, que totalizaram 40 mil.
Os números revelam o avanço de uma prática antes restrita, agora fortalecida por inovações tecnológicas e mudanças nos arranjos familiares. A doação de óvulos é regulada no Brasil por normas do Conselho Federal de Medicina e da Anvisa. Embora a legislação proíba a remuneração, o gesto voluntário sustenta uma parte significativa dos tratamentos reprodutivos em clínicas privadas. O anonimato da doação é permitido, mas a decisão de doar entre parentes próximos, como irmãs ou amigas, também é aceita e, em alguns casos, transforma a experiência em um pacto íntimo de afeto e continuidade.
Com o crescimento da demanda, as clínicas especializadas investem em ferramentas que tornam o processo mais eficiente e emocionalmente confortável para as receptoras. Um exemplo é o uso de algoritmos de reconhecimento facial, capazes de cruzar características biométricas e encontrar doadoras com traços semelhantes às receptoras. A tecnologia, batizada de Fenomatch, analisa mais de 12 mil pontos faciais a partir de uma fotografia. O resultado não é apenas uma correspondência estética, mas uma tentativa de criar um elo simbólico entre origem genética e identidade familiar.
A seleção de embriões também passou a ser orientada por inteligência artificial. Sistemas específicos, como o MAIA, monitoram em tempo real o desenvolvimento celular de cada embrião, atribuindo notas com base em critérios morfológicos e probabilidades de sucesso. Com isso, aumenta-se a taxa de implantação e reduz-se o tempo necessário até a gestação. A lógica por trás desses recursos é otimizar cada etapa da FIV, minimizando tentativas malsucedidas e desgaste emocional.
Além dos dados genéticos, o ambiente em que o embrião se desenvolve ganha destaque. A epigenética, ciência que investiga como fatores externos afetam a expressão dos genes, mostra que o útero da receptora não é um espaço neutro. Alimentação, emoções, sono e estresse influenciam diretamente no desenvolvimento do feto. Embora o DNA venha da doadora, o corpo que gesta exerce papel ativo na construção do bebê. As marcas não se imprimem no código genético, mas no modo como ele é lido e ativado.
A fertilização assistida, que por décadas foi associada a casais heterossexuais com infertilidade diagnosticada, hoje abrange uma diversidade de contextos. Mulheres que adiam a maternidade, casais homoafetivos, pessoas trans e mães solo compõem um cenário plural que desafia fronteiras entre biologia e afeto. A ovorecepção, nesse contexto, deixa de ser apenas um recurso técnico e se torna também uma escolha social.
Com base em dados da Redlara (2019–2023), a prática cresce, embora ainda dependa de campanhas de conscientização para atrair doadoras. A cultura do silêncio sobre infertilidade e o desconhecimento sobre os processos de doação ainda são obstáculos. Mas a medicina reprodutiva segue avançando, com apoio da tecnologia e da ciência, para ampliar não apenas as taxas de sucesso, mas as formas possíveis de nascer.