Diaristas seguem sem direitos, mesmo com vínculo recorrente
Vácuo legal mantém mais de 2 milhões de trabalhadoras na informalidade e fora das garantias asseguradas por lei
A Lei Complementar 150, em vigor desde 2015, estabeleceu avanços para o trabalho doméstico no Brasil, como direito ao FGTS, jornada regulamentada e aviso prévio. No entanto, excluiu as diaristas da formalização plena, criando uma divisão legal que mantém a maior parte dessa força de trabalho à margem da proteção trabalhista.
Embora muitas profissionais atuem em residências por longos períodos, mesmo que apenas uma ou duas vezes por semana, a legislação não reconhece vínculo empregatício nesse regime. Isso contraria normas internacionais das quais o Brasil é signatário, que definem como trabalhador doméstico qualquer pessoa que execute atividades regulares em residências, independentemente da frequência semanal.
A maior parte das diaristas enfrenta jornadas instáveis e remuneração abaixo de mil reais por mês, o que dificulta o pagamento das contribuições previdenciárias por conta própria. Com vínculos pulverizados e sem contrato formal, essas trabalhadoras acumulam desvantagens em relação às mensalistas, tanto em termos de segurança econômica quanto de acesso à aposentadoria e à assistência social.
A proliferação de registros como microempreendedoras individuais tem aprofundado esse cenário. Plataformas digitais e agências de emprego passaram a exigir a formalização via MEI, transferindo à trabalhadora obrigações que antes cabiam ao empregador. Na prática, isso inviabiliza o acesso a direitos garantidos pela lei complementar, como férias, 13º salário, estabilidade e indenização por demissão. Ainda assim, esse modelo se disseminou rapidamente nos últimos anos.
O crescimento desse tipo de vínculo informal é expressivo. Em menos de uma década, a participação das diaristas entre os trabalhadores domésticos aumentou mais de seis pontos percentuais, enquanto o número de mensalistas recuou. O perfil da categoria reforça desigualdades estruturais: trata-se majoritariamente de mulheres negras, com baixa escolaridade e em situação de vulnerabilidade social.
A legislação brasileira prevê a possibilidade de registro em carteira mesmo para quem trabalha em tempo parcial. O modelo permite o reconhecimento dos direitos trabalhistas, com encargos proporcionais às horas trabalhadas e cadastramento no sistema público de arrecadação. Apesar disso, poucos empregadores adotam essa modalidade, e o desconhecimento da população sobre a alternativa contribui para a permanência do modelo informal.
Na ausência de regulamentação adequada, milhões de profissionais seguem desprotegidas, mesmo com décadas de trabalho prestado em condições constantes. O país convive, assim, com uma contradição jurídica: reconhece avanços na proteção do trabalho doméstico, mas perpetua a exclusão de uma parcela da categoria.