Brasil volta à lista dos 20 países com mais crianças não vacinadas, segundo OMS e Unicef
Número de crianças sem a primeira dose da vacina DTP1 no país mais que dobrou em um ano
O Brasil voltou a figurar entre os 20 países com maior número absoluto de crianças não vacinadas no mundo, conforme relatório divulgado nesta quarta-feira (17) pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O país ocupa agora a 17ª posição do ranking, com 229 mil crianças que não receberam a primeira dose da vacina contra difteria, tétano e coqueluche (DTP1) em 2024.
O dado representa um aumento expressivo em relação ao ano anterior, quando 103 mil crianças brasileiras ficaram sem a aplicação da DTP1. O salto também interrompe a tendência de melhora observada em 2023, quando o Brasil chegou a sair da lista de países com maiores lacunas vacinais. Em 2022, esse número havia sido de 418 mil.
Apesar do aumento no número absoluto de crianças sem a primeira dose, a cobertura vacinal da DTP1 em 2024 alcançou 91%, o que representa um avanço em relação aos 84% registrados em 2022. No entanto, o índice ainda está abaixo dos patamares históricos do país. Entre os anos 2000 e 2012, o Brasil chegou a registrar até 99% de cobertura. A partir de 2016, as taxas passaram a cair, com piora entre 2019 e 2022.
Aumento de casos e desafios no sistema
A baixa cobertura vacinal se reflete nos registros de doenças que poderiam ser evitadas. Em 2024, o Brasil somou 7.438 casos de coqueluche, número significativamente superior aos 764 registrados em 2000. A vacina DTP1, aplicada por meio da vacina pentavalente no Brasil, protege ainda contra hepatite B e infecções causadas pela bactéria Haemophilus influenzae tipo B.
A OMS e o Unicef apontam uma série de fatores para explicar o aumento da população infantil não vacinada. Entre os principais motivos estão o subfinanciamento de programas de imunização, conflitos, escassez de vacinas e surtos de doenças. Segundo o Unicef, aproximadamente 10,2 milhões de crianças sem vacinação adequada vivem em países que enfrentam instabilidade política ou social.
O Brasil não está isolado nesse cenário. Em escala global, 14,3 milhões de crianças não receberam nenhuma dose de vacina em 2024. Além disso, cerca de 20 milhões iniciaram o esquema vacinal básico, mas não o completaram. Nas Américas, sete dos 42 países relataram cobertura inferior a 80% com a primeira dose da vacina tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola).
Entidades alertam para necessidade de ampliar o acesso
Renato Kfouri, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), avalia que as causas para a queda da cobertura vacinal no Brasil são multifatoriais. Entre elas, estão a própria eficácia das vacinas, que reduz a incidência das doenças e, consequentemente, a percepção de risco entre os responsáveis. “A sensação de que a doença desapareceu leva à falsa segurança de que a vacina não é mais necessária”, explica.
Kfouri também aponta que a desinformação e as dificuldades de acesso aos serviços de saúde têm impacto direto nas taxas de imunização. Segundo ele, embora os dados da OMS e do Unicef sirvam como alerta, é preciso interpretá-los com cautela. O ranking considera apenas números absolutos e não leva em conta a proporção da população infantil de cada país. “O Brasil tem uma população muito grande, por isso aparece com números elevados. Mas os nossos dados internos indicam melhora na cobertura”, afirma.
De acordo com o Ministério da Saúde, mais de 2,3 milhões de crianças receberam a DTP1 em 2024. O Programa Nacional de Imunizações (PNI) prevê a aplicação da vacina pentavalente aos dois, quatro e seis meses de idade. Depois disso, o esquema é complementado com duas doses de reforço da vacina DTP, administradas aos 15 meses e aos quatro anos.
Kfouri reconhece que, mesmo com avanços em alguns indicadores, ainda há um número significativo de crianças fora do sistema de imunização. “O dado preocupante é a quantidade de crianças à margem. A lista pode ser simbólica, mas ela reflete um desafio real: garantir que nenhuma criança fique para trás”, conclui.
A OMS e o Unicef alertam que o avanço da Agenda de Imunização 2030 depende da ampliação do acesso a vacinas em todos os países, especialmente nas regiões afetadas por desigualdades e instabilidades. Para atingir as metas globais, o ritmo atual de vacinação precisaria ser ampliado significativamente nos próximos anos.
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