Ozzy Osbourne: do caos ao culto eterno
Figura central do heavy metal, Ozzy atravessou excessos, quedas e reinvenções para se tornar um dos mitos mais duradouros e controversos da história do rock
Nascido John Michael Osbourne, em 3 de dezembro de 1948, na operária Birmingham, na Inglaterra, o homem que viria a ser mundialmente conhecido como Ozzy Osbourne não foi moldado para o estrelato. Criado entre carências materiais, dificuldades escolares e pequenos delitos, encontrou nos Beatles o primeiro facho de luz, iniciando uma peregrinação pelo submundo musical que o levaria a fundar, em 1968, o Black Sabbath. Com riffs pesadíssimos, letras soturnas e uma estética sombria que mesclava ocultismo e crítica social, o grupo inaugurou, involuntariamente, o heavy metal como gênero.
Ozzy era a figura central do novo som: sua voz arrastada e aguda contrastava com a rigidez das guitarras de Tony Iommi, criando uma estética sonora inédita. Álbuns como Paranoid (1970) e Master of Reality (1971) redefiniram os contornos da música pesada e lançaram as bases de uma indústria cultural voltada para o niilismo e a transgressão. No palco, Ozzy era o profeta do abismo: dançava em transe, invocava criaturas invisíveis e, em episódio emblemático, mordeu a cabeça de um morcego vivo, imortalizando a própria figura como “Príncipe das Trevas”.
Em 1979, foi expulso da banda que ajudara a criar, afundado em álcool, drogas e inconstância. Muitos decretaram o fim precoce da lenda. Mas ele não apenas sobreviveu: ressurgiu com ainda mais força. Com o apoio da empresária e futura esposa Sharon Arden, lançou Blizzard of Ozz (1980), álbum de estreia solo que apresentava ao mundo “Crazy Train”, um hino moderno do metal. A canção, marcada pelo riff cortante de Randy Rhoads, tornou-se símbolo de uma nova fase: mais polida, mas ainda brutal.
Ao longo das décadas seguintes, o artista construiu uma discografia consistente, transitando entre o grotesco e o épico, com momentos memoráveis como No More Tears (1991), Ozzmosis (1995) e o mais recente Patient Number 9 (2022), que lhe rendeu indicações ao Grammy de Melhor Performance de Rock, Melhor Performance de Metal, Melhor Canção de Rock e Melhor Álbum de Rock. Mesmo fragilizado por doenças, incluindo o diagnóstico de Parkinson revelado em 2020, seguiu gravando, se apresentando e, sobretudo, mantendo a aura de um sobrevivente improvável.
Paralelamente à música, construiu uma carreira como personagem de si mesmo. Em 2002, o reality The Osbournes o transformou em fenômeno de audiência na MTV. O programa revelava o cotidiano disfuncional, afetivo e por vezes caótico de sua família. A fórmula inusitada do roqueiro desorientado e seus filhos adolescentes alçou Ozzy a um novo patamar de celebridade. Não era mais apenas um ícone do metal, mas um nome familiar, visto nas salas de estar da América profunda.
Sua autobiografia, I Am Ozzy (2009), trouxe as contradições: a crueza da dependência química, os surtos de violência, as recaídas e os reinícios. Não havia em suas páginas qualquer tentativa de redenção moral. Apenas a exposição brutal de uma existência vivida no limite. Ainda assim, permaneceu casado com Sharon, atravessando crises, internações e reconciliações públicas, com uma longevidade incomum para padrões do showbiz.
Neste mês, mesmo debilitado fisicamente, reuniu os integrantes originais do Black Sabbath para um último ato. O show “Back to the Beginning”, que aconteceu em Villa Park, Birmingham, foi anunciado como encerramento definitivo de sua carreira e da banda. A apresentação, vista como liturgia final do metal britânico, será eternizada no filme-concerto Back to the Beginning: Ozzy’s Final Bow, previsto para 2026.
Três semanas depois, na última terça-feira (22), Ozzy morreu aos 76 anos, em casa, cercado pela família. A causa exata ainda não foi divulgada. O “Príncipe das Trevas” tornou-se, em definitivo, parte da memória coletiva da música contemporânea.
Com mais de 100 milhões de álbuns vendidos, duas entradas no Rock and Roll Hall of Fame (com o Black Sabbath em 2006 e como artista solo em 2024), e décadas de influência estética e sonora, Ozzy Osbourne ultrapassou a condição de vocalista. Encarnou uma mitologia viva, a do artista que sangra em cena, que implode e reinventa a própria figura a cada disco, que desafia os limites do corpo e do mercado com igual ferocidade.
Não foi herói nem vilão. Foi exceção. Permaneceu onde poucos suportam estar: no limite entre a arte e o abismo.