Entre o afeto e a ameaça, a poesia como moradia
Publicado pela editora Cachalote, Trote é o segundo livro de poesia do escritor goiano Jheferson Rosa e marca uma virada importante em sua trajetória literária. Se na estreia com Avião de Papel, em 2021, havia um lirismo mais direto, em Trote o autor opta por uma construção poética fragmentada, experimental e profundamente ligada à experiência da memória como espaço de desconforto.
A obra não segue uma linearidade tradicional. Organizada em blocos que remetem a capítulos, mas sem uma progressão narrativa rígida, o livro cria uma estrutura em que as imagens surgem como lapsos de lembrança. Ora nítidas, ora entrecortadas, as cenas são conduzidas por uma lógica de fluxo e associação, e não por enredo. A leitura se dá em ritmo de trote, entendendo o termo tanto como andamento quanto como metáfora do engano e da travessia instável.
Ao longo das páginas, o autor explora os vínculos entre infância, casa e violência, tratando a moradia não como símbolo de segurança, mas como território de tensão. A casa aparece ora como abrigo, ora como lugar de ameaça. Em vez de buscar reconciliação com o passado, o poeta opta por escavar suas frestas, expondo o que ficou entre o afeto e o trauma.
Um dos aspectos centrais do livro é o uso da palavra como ferramenta ambígua. A linguagem funciona ao mesmo tempo como arma e como abrigo, numa tentativa de reorganizar o vivido sem torná-lo inofensivo. O livro propõe uma ideia de moradia poética, em que o leitor é convidado a habitar o texto como quem atravessa um espaço instável, em constante ruína e reinvenção.
O autor
Jheferson Rosa nasceu em 1998, em Santa Rosa de Goiás. Poeta, editor e designer, é fundador da Lola Edições e atuou em coletivos como Fiasco e Goiânia Clandestina. Estudou Letras no IFG, onde iniciou sua trajetória literária. É editor da Lola e publicou Avião de Papel (Nega Lilu, 2021). Trote (Cachalote, 2024) é sua segunda tentativa de estreia na poesia.