A aparição de um personagem masculino usando saia no horário nobre da televisão aberta marca um ponto de inflexão no modo como o grande público brasileiro lida com códigos de vestuário. A cena não apenas consolida uma tendência estética difundida no universo da moda, como também representa uma ruptura simbólica em relação aos padrões tradicionais de gênero. Para a stylist e psicóloga Marcia Jorge, a exibição em rede nacional amplia o alcance da estética genderless e altera as permissões sociais em torno da peça.

“O uso da saia por homens não pertence mais apenas ao círculo da moda. Ele está acontecendo. Gera polêmica, claro, mas também amplia a permissão social para outras pessoas adotarem esse visual”, afirma Marcia. A peça, que já foi incorporada por estilistas como Jean-Paul Gaultier e Tom Ford desde os anos 1990, ganhou novo impulso a partir de 2010, com a consolidação da proposta sem gênero nas passarelas.

Nos bastidores da indústria, a stylist relata que sempre foi comum ver homens com saias impactantes em produções fotográficas. “Trabalhei com fotógrafos e maquiadores que usavam saias incríveis. Danilo Borges, por exemplo, sempre aparecia com modelos lindíssimos. Eu ficava enlouquecida, porque é esteticamente impactante”, recorda.

A diferença agora, segundo Marcia, é o alcance da narrativa. “A moda é movida a permissões. Quando você vê algo sendo usado em uma novela da Globo, por exemplo, aquilo ganha uma chancela simbólica. As pessoas sentem que agora ‘podem’ usar”, analisa. “Ele expressa essa verdade estética. Isso tem tudo a ver com o processo de caracterização e ajuda a dar legitimidade à proposta”.

Marcia traça um paralelo com outros momentos em que a moda desestabilizou convenções. “A primeira vez que viram Leila Diniz grávida de biquíni foi um escândalo, mas aquilo abriu caminho para que outras mulheres se sentissem no direito de fazer o mesmo. Com a saia masculina, o processo é semelhante. A visibilidade ajuda a derrubar o preconceito”.

Embora reconheça que a adesão ainda seja tímida em regiões mais conservadoras, ela vê sinais de avanço. “Hoje falamos de identidade, liberdade de expressão e autonomia estética. A moda tem esse poder de dar nome, corpo e imagem a discussões que muitas vezes ainda não têm espaço em outros campos”, conclui.