Brasil enfrenta surto de coqueluche após anos de controle
Mais de 7,5 mil casos e mortes de bebês expõem recuo na imunização e fragilidade da rede de diagnóstico
A coqueluche, que parecia controlada no Brasil, voltou a preocupar autoridades de saúde e profissionais da área. Em 2024, o país registrou mais de 7.500 casos, contra apenas 216 no ano anterior. O crescimento não é um fenômeno isolado: acompanha uma tendência mundial de aumento da incidência, impulsionada por quedas nas taxas de imunização e pelo avanço de movimentos contrários à vacinação. O impacto no Brasil já resultou em treze mortes, todas em bebês com menos de um ano, filhos de mães que não receberam a vacina durante a gestação.
“Infelizmente, estamos vivenciando um retrocesso. A hesitação vacinal e a desinformação têm consequências graves, principalmente para os mais vulneráveis, como os recém-nascidos. De acordo com dados do Ministério da Saúde e do Programa Nacional de Imunizações, em 2023 o Brasil apresentou cobertura vacinal de 85,71% para a vacina penta e 78,28% para a vacina DTP, no primeiro reforço. Para conter o avanço dos casos de coqueluche, o objetivo é chegar à meta de 95%,” alerta a pneumologista pediatra Dra. Eliandra da Silveira de Lima.
Diagnóstico ágil para frear a transmissão
A doença é causada pela bactéria Bordetella pertussis e se espalha facilmente por gotículas respiratórias. Provoca crises prolongadas de tosse, capazes de evoluir para pneumonia, convulsões, encefalopatia e até morte. Mesmo com sintomas característicos, a confirmação laboratorial é importante para evitar erros de diagnóstico e para interromper a cadeia de transmissão. Em um cenário de baixa cobertura vacinal, a rapidez nessa etapa torna-se um elemento central na resposta à doença.
“Entre as metodologias para diagnosticar a doença, a cultura, realizada a partir da coleta da secreção de nasofarínge, ainda é considerada padrão ouro de diagnóstico, mas a PCR em tempo real, capaz de detectar o DNA do agente causador, é o método mais sensível e rápido disponível. No setor privado e em laboratórios de referência, tecnologias como as dos painéis sindrômicos, que utilizam esse método de PCR, permitem identificar, com uma única amostra, se o patógeno é Bordetella pertussis ou outro vírus ou bactéria respiratória”, explica a coordenadora do Centro de Referência Nacional para Coqueluche no Instituto Adolfo Lutz, Dra. Daniela Leite.
A semelhança clínica com outras infecções, como gripe, vírus sincicial respiratório e rinovírus, torna ainda mais importante o uso de exames de alta sensibilidade. “Com esses testes por PCR em tempo real, é possível detectar múltiplos patógenos ao mesmo tempo e com alta sensibilidade. Os resultados saem em aproximadamente uma hora, o que ajuda a definir a conduta clínica de forma muito mais eficiente”, acrescenta Dra. Daniela.
Desafios de acesso e urgência na prevenção
Além de trazer mais precisão ao diagnóstico, a tecnologia de testes sindrômicos tem impacto direto na organização da rede de atendimento. “Eles permitem reduzir o tempo de permanência em unidades de pronto atendimento, evitar o uso indiscriminado de antibióticos, importante para conter a resistência bacteriana, melhorar a vigilância epidemiológica de surtos e otimizar recursos hospitalares e laboratoriais”, afirma André Santos, Medical Science Liaison da QIAGEN.
O potencial, porém, esbarra em barreiras estruturais. “Custo, logística e desigualdade regional dificultam a implementação nos serviços públicos, embora os benefícios sejam evidentes”, observa Dra. Eliandra. Essa limitação mantém parte da rede dependente de métodos mais lentos, que retardam o início do tratamento e dificultam a contenção de surtos, especialmente em regiões com menos infraestrutura laboratorial.
Queda sustentada na vacinação
O declínio da cobertura vacinal no Brasil não começou agora. Desde 2016, o país vem registrando índices abaixo das metas estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para diversas vacinas. A redução é atribuída a múltiplos fatores: dificuldades logísticas em áreas remotas, falta de campanhas massivas de conscientização e, mais recentemente, à disseminação de informações falsas sobre imunização nas redes sociais.
Especialistas defendem que a recuperação das taxas de vacinação depende de um esforço integrado entre governos, entidades médicas e sociedade civil. Ações de comunicação voltadas a diferentes públicos, reforços vacinais para adolescentes e adultos e investimentos em diagnóstico rápido são apontados como medidas indispensáveis para conter novos surtos.
Uma crise que poderia ter sido evitada
A coqueluche, embora grave, é uma doença para a qual já existe vacina segura e eficaz há décadas. Seu retorno em escala preocupante no Brasil reforça o alerta sobre as consequências da negligência em relação à imunização e à vigilância epidemiológica.
“Estamos diante de uma crise evitável. Precisamos agir com responsabilidade, baseados na ciência, para evitar novas epidemias como a da coqueluche e tantas outras infecções respiratórias graves que já conhecemos”, conclui Dra. Daniela.