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sexta-feira, 5 de dezembro de 2025
TikTok

A moda da chupeta revela o esgotamento da vida adulta

Fenômeno nas redes sociais reflete carência de suporte psíquico e uso de símbolos infantis como forma de mascarar sofrimento

Luana Avelarpor Luana Avelar em 20 de agosto de 2025
13 MATERIA CREDITOS FT 1 FreePik

Diante da instabilidade emocional, da hiperexposição digital e da lógica extenuante da produtividade, os jovens adultos têm recorrido a estratégias imediatistas em busca de alívio psíquico. Nos últimos dias, uma prática inusitada ganhou espaço entre as chamadas rotinas de bem-estar. Chupar chupeta, comportamento tipicamente associado a crianças pequenas, tornou-se um recurso de autorregulação emocional adotado por pessoas entre 18 e 30 anos, sobretudo em países como China e Coreia do Sul. A tendência ganhou repercussão mundial, popularizou-se no TikTok e chegou ao mercado por meio de versões customizadas, vendidas como acessórios antiestresse.

A prática é exibida em vídeos de milhares de visualizações que retratam adultos utilizando chupetas em diferentes situações. A presença do objeto em ambientes de trabalho, no trânsito ou em momentos de insônia é apresentada como forma de acalmar o sistema nervoso, reduzir a ansiedade ou substituir o hábito de fumar. As justificativas são amparadas por depoimentos que destacam a sensação de segurança emocional despertada por esse retorno simbólico à infância. O fenômeno, no entanto, não é inofensivo. Seu crescimento chama atenção de profissionais da saúde que alertam para os efeitos fisiológicos e psíquicos dessa regressão.

O uso da chupeta em adultos ainda não foi objeto de estudos clínicos de larga escala, mas a literatura em psicologia oferece pistas sobre os mecanismos envolvidos. A adoção de comportamentos infantis como forma de enfrentamento emocional é classificada como regressão. Esse mecanismo de defesa consiste no retorno a estágios anteriores do desenvolvimento psíquico diante de situações que geram angústia, sobrecarga ou frustração. Embora não seja patológico por si só, o recurso pode indicar a ausência de estratégias mais maduras para lidar com a realidade.

Além das implicações emocionais, há riscos físicos concretos. De acordo com o Conselho Federal de Odontologia, o uso prolongado da chupeta interfere na respiração, compromete o alinhamento dos dentes, altera a oclusão e pode provocar disfunções temporomandibulares. Em crianças, esses danos já são amplamente documentados. Em adultos, o hábito pode ser ainda mais nocivo, agravado pelo fato de a estrutura óssea estar completamente formada. A dentista Sandra Silvestre, mestre em Ortodontia e conselheira do CFO, alerta que o uso constante da chupeta pode demandar tratamentos ortodônticos corretivos complexos e prolongados. O risco de sufocamento durante o sono também não pode ser descartado.

A popularidade das chupetas entre jovens adultos faz parte de um conjunto de práticas que resgatam símbolos da infância como estratégia emocional. Essa estética do conforto também aparece no uso de luzes suaves, cobertores pesados, desenhos animados e bebidas funcionais. Um exemplo recente é o chamado coquetel de cortisol, mistura que combina água de coco, suco cítrico, sais minerais e magnésio, promovida nas redes sociais como solução para o estresse. Apesar do apelo visual e da linguagem terapêutica, não há comprovação científica sobre sua eficácia.

A adesão a essas soluções paliativas, impulsionadas por algoritmos que privilegiam conteúdos de engajamento rápido, alimenta a ilusão de controle emocional. O uso de símbolos infantis em lugar de processos terapêuticos estruturados tende a mascarar quadros mais complexos, como ansiedade ou depressão. Sem regulamentação específica, as chupetas para adultos circulam em plataformas digitais como acessórios personalizados, incorporando uma dimensão estética à prática, mas afastando o debate sobre suas implicações reais.

No caso de jovens que utilizam a chupeta como substituto do cigarro, os especialistas alertam para o risco de transferência compulsiva. Embora o dispositivo não contenha nicotina, a ação de sucção contínua pode reforçar circuitos neurais ligados ao vício. A tentativa de substituir a dependência química por um ritual oral aparentemente inofensivo pode retardar o enfrentamento das causas reais do hábito tabagista. A gestão emocional deslocada para um objeto não necessariamente promove autonomia ou saúde psíquica.

A proliferação desse tipo de comportamento expõe as fragilidades contemporâneas no manejo das emoções. O imediatismo das redes sociais, a precarização das relações interpessoais e a insegurança material ampliam a demanda por soluções rápidas. Nesse contexto, elementos do passado são resgatados não como memória afetiva, mas como abrigo simbólico. A chupeta, mais do que um objeto, se torna metáfora do cansaço de ser adulto.

Nas redes sociais, até famosos entraram na polêmica. O ator Ary Fontoura, por exemplo, publicou um vídeo demonstrando indignação com a nova moda entre os jovens e adultos. “Não é uma loucura, gente? Usar chupeta para tirar o estresse. É a criança virando adulto, é o adulto virando criança. Onde é que vai parar isso? Alexa, dispara um meteoro na Terra!”, disse o ator, em tom irônico.

A publicação viralizou e gerou uma enxurrada de comentários bem-humorados. Um seguidor escreveu: “E eu aqui lutando pra tirar a do meu bebê de 2 anos”. Outro comentou: “Ary querido com toda a sua experiência e no auge dos seus 90 e tantos anos, acho que o senhor nunca viu tanta loucura nesse mundo como agora né?” Entre as reações, também havia quem compartilhasse a perplexidade do ator: “É seu Ary, o mundo acabou e nós sobramos”, escreveu mais um.

A resposta para o esgotamento não está na negação da idade, mas na construção de novos modos de existência que deem conta da complexidade do presente. A psicoterapia permanece como ferramenta legítima para desenvolver autoconhecimento, reconfigurar narrativas pessoais e ampliar a capacidade de enfrentar desafios. Retornar a elementos da infância pode ser um gesto poético quando livre de compulsão. Mas, quando vira regra e disfarça sofrimento, transforma-se em sintoma.

 

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