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sexta-feira, 5 de dezembro de 2025
Saúde

Brasil amplia mercado de cervejas sem álcool, mas especialistas mantêm alerta

Produção cresce mais de 500% em um ano e já representa quase 5% do setor, enquanto médicos reforçam que a ausência de álcool nunca é absoluta

Luana Avelarpor Luana Avelar em 22 de agosto de 2025
pessoas desfrutando de bebida de guarana ao ar livre

O Brasil ocupa posição de destaque no cenário global da cerveja. Segundo o Relatório Global de Consumo de Cerveja da Kirin Holdings, divulgado em 2024 com base em dados do ano anterior, o país é o terceiro maior consumidor em volume, atrás apenas da China e dos Estados Unidos. A média nacional é de 69,9 litros anuais por habitante, marca que o coloca em 21º lugar no ranking per capita. Dentro desse mercado consolidado, uma transformação chama atenção: a rápida ascensão das cervejas sem e zero álcool.

De acordo com o Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja, em 2024 foram consumidos 702,4 milhões de litros dessas versões, mais que o dobro do registrado em 2021. O Anuário da Cerveja 2025 mostra que a produção nacional ultrapassou 757 milhões de litros no último ano, crescimento de 536,9% em relação ao ciclo anterior. A participação do segmento chegou a 4,9% de toda a produção brasileira de cerveja, consolidando-se como uma das frentes mais dinâmicas do setor.

A expansão se apoia em duas frentes: mudança de comportamento do consumidor e avanços tecnológicos. O setor passou a investir em técnicas de desalcoolização mais sofisticadas, como destilação a vácuo, osmose reversa e fermentação interrompida. Esses processos permitem preservar aroma e sabor da bebida original, oferecendo uma experiência próxima da tradicional. A indústria interpreta o fenômeno como sinal de amadurecimento do mercado, no qual moderação é associada a escolhas conscientes, em que sociabilidade e prazer não dependem da ingestão de etanol.

A diferenciação regulatória também ajuda a compreender o movimento. A Instrução Normativa nº 65, de 2019, do Ministério da Agricultura, define que a cerveja sem álcool pode conter até 0,5% de etanol em volume, com obrigação de informar no rótulo. Já a versão zero álcool deve limitar-se a 0,05% e trazer menções explícitas de ausência da substância. Essa distinção impacta o processo produtivo. As sem álcool costumam ser obtidas por fermentação interrompida, resultando em teor médio de 0,35% e sabor adocicado. As zero álcool exigem processos de retirada posterior do etanol, preservando características mais próximas da versão convencional.

O crescimento, no entanto, não elimina dúvidas médicas. A Organização Mundial da Saúde reforça que não existe nível seguro de consumo de álcool. Essa recomendação se estende às versões desalcoolizadas, mesmo com teores residuais muito baixos. Para gestantes, a recomendação é de abstenção completa. Estudos conduzidos no Brasil identificaram discrepâncias entre os teores declarados nos rótulos e os valores medidos em laboratório. A preocupação é que pequenas quantidades atravessem a placenta e comprometam o desenvolvimento neurológico do feto. A Associação Paulista de Medicina destaca que, diante da incerteza, a conduta mais segura é a exclusão do consumo.

Entre pessoas em recuperação do alcoolismo, o risco é de outra ordem. Psiquiatras lembram que o sabor, o cheiro e o contexto social da bebida funcionam como gatilhos para recaídas. Mesmo sem efeito bioquímico relevante, a simulação do ritual pode comprometer processos de abstinência e abrir espaço para fissuras comportamentais.

O impacto social do álcool no Brasil segue elevado. Um relatório técnico da Fundação Oswaldo Cruz, publicado em 2024 com base em dados da Organização Mundial da Saúde, calculou que o álcool está associado a cerca de 12 mortes por hora no país. Em 2019, 104,8 mil óbitos foram atribuídos ao consumo, sendo 86% entre homens, principalmente por doenças cardiovasculares, acidentes e episódios de violência. Entre mulheres, 14% das mortes estiveram relacionadas ao álcool, com destaque para cânceres e doenças cardíacas.

Mesmo diante desses números, a indústria insiste em projetar as versões desalcoolizadas como alternativa de convivência social mais equilibrada. A produção total de cerveja no Brasil alcançou 15,34 bilhões de litros em 2024. Dentro desse volume, as bebidas sem álcool aparecem como parcela ainda pequena, mas com crescimento contínuo. A expansão é acompanhada por outro indicador relevante: em 2024, o país registrou 1.949 cervejarias em operação, distribuídas em 790 municípios, e mais de 43 mil rótulos ativos. O setor também bateu recorde nas exportações, com 332,5 milhões de litros enviados ao exterior e faturamento de 204 milhões de dólares, alta de 43% em volume e 31% em valor em relação ao ano anterior.

O contraste é nítido. De um lado, números que demonstram a força de um mercado em transformação, sustentado por inovação tecnológica e mudança de hábitos. De outro, a medicina insiste que a ausência de álcool nunca é absoluta, e que as versões desalcoolizadas não são indicadas para todos os públicos. A legislação brasileira é categórica: nenhuma dessas bebidas pode ser comercializada para menores de 18 anos, independentemente do teor alcoólico.

O avanço das cervejas sem e zero álcool no Brasil expressa mais do que uma tendência de consumo. Representa também um desafio para a saúde pública. A curva ascendente de produção e vendas convive com a incerteza sobre os efeitos em grupos vulneráveis. A aposta da indústria em desalcoolização pode sinalizar maturidade do setor, mas, como alertam os especialistas, não substitui a regra fundamental: informação clara, vigilância regulatória rigorosa e cautela permanecem indispensáveis.

 

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