Música como exercício cerebral em todas as idades
Aprender um instrumento ativa múltiplas áreas do cérebro, fortalece conexões neurais e amplia a reserva cognitiva, protegendo contra perdas cognitivas do envelhecimento
Uma nota musical mobiliza simultaneamente córtex motor, regiões auditivas, gânglios da base e sistema límbico. Esse cruzamento de funções transforma a prática instrumental em um treino cognitivo complexo. A neurociência descreve o fenômeno como formação de reserva cognitiva: redes alternativas que permitem ao cérebro compensar perdas estruturais causadas pela idade ou por doenças neurológicas.
Pesquisadores da Universidade de Tohoku, no Japão, publicaram em 2025, na revista Frontiers in Aging, um ensaio clínico com idosos de 65 a 74 anos sem experiência musical. Após 16 semanas de sessões instrumentais em grupo, os participantes apresentaram melhora no Mini Exame do Estado Mental (MMSE), ganhos em memória verbal pela Wechsler Memory Scale e redução de sintomas depressivos. Embora a amostra tenha sido reduzida e o acompanhamento breve, os resultados confirmam achados de meta-análises que já apontavam efeitos da música em memória episódica e funções executivas em idosos com comprometimento cognitivo leve.
Na mesma direção, cientistas da Universidade de Montreal, no Canadá, publicaram em 2025, na PLOS Biology, estudo com neuroimagem funcional comparando músicos idosos e não músicos. Durante tarefas auditivas em ambientes ruidosos, os músicos preservaram padrões de conectividade cerebral semelhantes aos de adultos jovens, indicativo de maior eficiência neural. Os autores alertam que a associação não estabelece causalidade, mas sugere que prática prolongada esteja ligada à preservação cognitiva.
Em 2024, pesquisadores da Universidade de Exeter, no Reino Unido, analisaram 1.107 adultos de meia-idade e idosos em estudo publicado no International Journal of Geriatric Psychiatry. O contato musical ativo, tocar instrumentos, cantar ou ouvir música de forma estruturada, associou-se a melhor memória, raciocínio e velocidade de processamento. Teclado e metais tiveram impacto mais nítido em funções executivas. O canto em grupo demonstrou ainda reduzir cortisol e aumentar oxitocina, elementos ligados ao equilíbrio emocional.
Na infância, evidências também são consistentes. Experimento da Universidade Estadual Paulista (Unesp), publicado em 2023 na revista Psicologia: Reflexão e Crítica, acompanhou crianças de 9 e 10 anos. As que praticavam instrumentos regularmente tiveram desempenho superior em testes de memória operacional, como o AWMA (Automated Working Memory Assessment), em relação ao grupo controle. Revisões internacionais, como a publicada em 2022 na Frontiers in Psychology pela Universidade de Zurique, destacam que a iniciação precoce amplia plasticidade cerebral, fortalece hipocampo e amígdala e favorece rendimento escolar.
O processo de aprendizagem, no entanto, é árduo. Pesquisadores da Universidade de Harvard apontaram em 2021 na Annals of the New York Academy of Sciences que o estudo instrumental envolve erros repetidos e longos períodos de prática, levando muitos a desistir nas fases iniciais. Cada tentativa, porém, representa reorganização neural acumulada, com efeitos duradouros no desempenho cognitivo.
No Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) projeta que, em 2050, pessoas acima de 60 anos representarão quase 30% da população. Nesse contexto, a música não deve ser vista apenas como arte ou lazer, mas como instrumento de saúde. Sua adoção sistemática pode reduzir custos associados ao envelhecimento cognitivo e ampliar a autonomia da população idosa.
Na infância, fortalece linguagem e atenção. Na vida adulta, sustenta funções executivas. Na velhice, contribui para retardar o declínio cognitivo. A música, em diferentes etapas da vida, confirma-se como exercício cerebral transversal, integrando ciência, saúde e cultura em um mesmo gesto: tocar uma nota e, com ela, ampliar os caminhos da mente.