Saúde vascular ainda é negligenciada no Brasil
Doenças venosas e arteriais estão entre as principais causas de incapacidade e mortes evitáveis, mas seguem subdiagnosticadas e pouco discutidas
A saúde vascular, responsável por garantir o bom funcionamento de veias e artérias, raramente é lembrada antes que os sintomas se tornem graves. Inchaços persistentes, dores ao caminhar e feridas que não cicatrizam são sinais muitas vezes tratados como problemas secundários, quando, na realidade, podem indicar doenças silenciosas em evolução. No Brasil, essas condições estão entre as principais causas de internação, incapacidade funcional e óbitos evitáveis, mas permanecem subestimadas no cuidado contínuo à saúde.
“A saúde vascular raramente é lembrada até que algo aconteça. No entanto, por trás de cada dor que se intensifica ao caminhar, de cada perna que incha sem explicação ou de uma ferida que simplesmente não cicatriza, pode haver uma doença vascular em evolução silenciosa”, afirma o cirurgião vascular Edwaldo Edner Joviliano.
A trombose venosa profunda (TVP) é um dos exemplos mais emblemáticos. Caracteriza-se pela formação de coágulos em veias profundas, geralmente nos membros inferiores. O quadro pode começar de forma discreta, mas evoluir para embolia pulmonar, com risco de morte. Estima-se que centenas de milhares de casos ocorram todos os anos no país, muitos ligados a fatores preveníveis como imobilidade prolongada, cirurgias, câncer, obesidade, varizes, uso de anticoncepcionais ou histórico familiar.
As varizes e a insuficiência venosa crônica (IVC) atingem de 30% a 50% da população, e seus impactos vão além da estética. Em estágios avançados, provocam edema persistente, dor, alterações de pele e úlceras venosas de difícil cicatrização, comprometendo de forma profunda a qualidade de vida. “Quando não tratados adequadamente, evoluem para edemas persistentes, alterações na coloração da pele, sensação de peso constante e até úlceras venosas de difícil resolução, condição que gera afastamentos do trabalho, internações recorrentes e sofrimento físico e psicológico significativo”, explica Joviliano.
Os números mostram a dimensão do problema. Entre 2008 e 2019, o Sistema Único de Saúde realizou mais de 869 mil cirurgias relacionadas à doença venosa crônica, com custos que superaram 230 milhões de dólares. Em Botucatu (SP), um levantamento apontou que 47,6% dos adultos apresentavam varizes visíveis, enquanto 21,2% já tinham formas avançadas da doença.
No campo arterial, a doença arterial periférica (DAP) é uma das mais subdiagnosticadas manifestações da aterosclerose. Estudos indicam prevalência acima de 20% entre idosos, mas a condição costuma ser confundida com sinais naturais do envelhecimento. “A dor ao caminhar, que muitos associam ao envelhecimento natural, pode ser sinal de isquemia progressiva. Quando ignorada, a doença pode culminar em amputações evitáveis e aumento importante do risco cardiovascular geral”, alerta o especialista.
Os aneurismas arteriais, especialmente os da aorta abdominal, também são marcados pelo diagnóstico tardio. A maioria dos casos só é descoberta em exames realizados por outros motivos, e a taxa de mortalidade em rupturas não tratadas ultrapassa 80%. Mesmo em grupos de risco, como tabagistas e hipertensos, o acesso a exames preventivos segue restrito.
Nesse contexto, a atuação da angiologia e da cirurgia vascular torna-se essencial. O acompanhamento especializado permite identificar sinais precoces, realizar exames de imagem adequados e indicar tratamentos que variam desde o controle clínico até procedimentos minimamente invasivos ou cirurgias complexas. “A condução dos casos envolve não apenas exames como ultrassonografia vascular, angiotomografias e avaliações funcionais, mas também decisões terapêuticas que exigem precisão e experiência”, afirma Joviliano.
Além da intervenção técnica, o cuidado tem caráter educativo. Estímulo à prática de atividade física, abandono do tabagismo, alimentação equilibrada, hidratação e adesão a tratamentos fazem parte da rotina de orientação. “Quando esse cuidado é iniciado precocemente, as chances de reverter quadros graves aumentam exponencialmente, tanto do ponto de vista clínico quanto econômico e social”, reforça o cirurgião.
Reconhecer sinais como edema persistente, dor ao esforço, alterações de pele, feridas que não cicatrizam e histórico familiar de aneurismas é fundamental para o encaminhamento precoce ao especialista. “Cuidar da saúde das suas veias, artérias e vasos, cuidar do sistema vascular é investir em qualidade de vida e longevidade”, conclui Joviliano.