Operações entre empresas do mesmo grupo derrubam investimento externo
Embora o conceito careça de definição mais precisa, na visão de alguns especialistas, o investimento estrangeiro direto no Brasil tem encolhido neste ano por conta, especialmente, do tombo registrado nas transações realizadas entre companhias de um mesmo grupo econômico. Esse tipo de operação, que se resume a empréstimos trocados entre essas empresas, deduzidos das amortizações pagas pela parte brasileira do negócio, chegou a registrar “desinvestimento” em meses recentes. Isso significa que as “prestações” remetidas para matrizes e/ou filiais sediadas fora do País superaram o valor dos empréstimos que entraram no braço do negócio instalado aqui.
Isoladamente, o dado de julho divulgado nesta semana pelo Banco Central (BC) aponta um avanço de 15,76% para o fluxo de investimentos diretos, que saiu de US$ 7,191 bilhões em julho do ano passado para US$ 8,324 bilhões no mesmo mês deste ano, num acréscimo de US$ 1,133 bilhão. Nesse período específico, os investimentos em participação no capital passaram de US$ 6,385 bilhões para US$ 6,831 bilhões (cerca de US$ 466,3 milhões a mais), crescendo 7,32%. Já as operações entre companhias saltaram 80,72%, passando de US$ 826,2 milhões para US$ 1,493 bilhão, uma variação de US$ 666,9 milhões.
O dado mensal dos investimentos internacionais tem oscilado entre altos e baixos ao longo do ano. Mas os valores acumulados, tanto no trimestre finalizado em julho quanto nos primeiros sete meses de 2025, mostram baixa em relação a idênticos intervalos de 2024. Em geral, o resultado foi ditado pelo enxugamento das operações entre companhias, o que sugere decisões empresariais voltadas para recuperar mais rapidamente valores emprestados em fases anteriores, reforçando o caixa das empresas no exterior.
Resultado trimestral
Depois de atingirem US$ 16,484 bilhões entre maio e julho do ano passado, os investimentos diretos recuaram para US$ 14,816 bilhões no mesmo trimestre deste ano, caindo 10,12% (cerca de US$ 1,668 bilhão a menos). Os ingressos, que refletem a entrada de recursos “novos” para compra de ações ou ativos de empresas locais, instalação de novas fábricas e empréstimos entre companhias do mesmo grupo, cresceram 6,84%, passando de US$ 38,305 bilhões para US$ 40,925 bilhões.
Ao mesmo tempo, as remessas ou saídas de dólares para fora do País, incluindo resultados de vendas de empresas e pagamento de amortizações, aumentaram de US$ 21,821 bilhões para US$ 26,110 bilhões, alta de 19,66%. Esse desempenho reduziu o investimento “líquido”, ou seja, descontadas as remessas ao exterior.
Balanço detalhado
Na desagregação dos dados, a queda do investimento refletiu a movimentação entre empresas de um mesmo grupo, seja entre matrizes no exterior e suas filiais no Brasil, seja entre filiais brasileiras no exterior e suas matrizes aqui. Entre maio e julho de 2024, houve entrada de US$ 4,084 bilhões em empréstimos. Mas, neste ano, no mesmo trimestre, registrou-se saída de US$ 267,2 milhões.
Essa mudança de sinal afetou o resultado geral, já que as operações de participação no capital aumentaram de US$ 12,4 bilhões para US$ 15,083 bilhões (alta de 21,64%). Mesmo assim, o avanço não compensou a virada negativa nas transações intercompanhias. Enquanto a participação no capital cresceu US$ 2,683 bilhões, as operações entre empresas trouxeram perda de US$ 4,351 bilhões.
Mais detalhadamente, as operações entre matrizes no exterior e filiais no Brasil dispararam, multiplicando-se mais de oito vezes. Entre maio e julho do ano passado, houve saída de US$ 55,1 milhões. No mesmo período deste ano, a saída saltou para US$ 461 milhões, um aumento de 736%. No outro extremo, as remessas de dólares de filiais no exterior para matrizes no Brasil desabaram 98,15%, caindo de US$ 5,853 bilhões para apenas US$ 108,3 milhões.
A queda nos investimentos estrangeiros ocorreu ao mesmo tempo em que o déficit em transações correntes saltou 61,35% frente ao mesmo trimestre de 2024, passando de US$ 9,789 bilhões para US$ 15,795 bilhões. Assim, o investimento direto, que antes superava o déficit em 68,2%, passou a ser 6,2% menor.
No acumulado entre janeiro e julho, o déficit em transações correntes aumentou 76,42% frente a 2024, subindo de US$ 22,719 bilhões para US$ 40,081 bilhões (US$ 17,362 bilhões a mais). O investimento direto caiu 6,44%, de US$ 44,998 bilhões para US$ 42,098 bilhões. Houve crescimento de 9,20% no capital (de US$ 32,845 bilhões para US$ 35,868 bilhões), mas queda de 48,74% nas operações entre companhias (de US$ 12,153 bilhões para US$ 6,230 bilhões).
No acumulado em 12 meses, o déficit em transações correntes avançou 44,85%, de US$ 30,734 bilhões para US$ 75,253 bilhões, passando de 1,37% para 3,50% do PIB. O investimento estrangeiro cresceu apenas 4,51%, de US$ 65,228 bilhões para US$ 68,169 bilhões, indo de 2,90% para 3,17% do PIB. Em julho de 2024, o investimento era 2,15 vezes maior que o déficit; neste ano, caiu para 90,6%.
Diante desses números, parte dos analistas e da imprensa chegou a alertar para riscos de uma crise de falta de dólares para cumprir compromissos no exterior. Em 2014, por exemplo, o investimento cobria 79,4% do déficit, somando US$ 87,714 bilhões frente a um rombo de US$ 110,493 bilhões (3,57% do PIB contra 4,50%).
O crescimento do déficit neste ano pode ser explicado, em grande parte, pela queda na balança comercial (exportações menos importações). Apesar disso, as reservas internacionais, que chegaram a US$ 345,111 bilhões em julho, cresceram 5,12% desde janeiro e ainda superam em 2,24 vezes o gasto previsto com juros e amortizações da dívida externa, estimado em US$ 154,182 bilhões.