Inadimplência de pessoas físicas sobe ao nível mais alto desde 2013
A taxa de inadimplência das pessoas físicas nas operações de crédito livremente contratadas dentro do sistema financeiro nacional atingiu em julho deste ano seu nível mais elevado desde maio de 2013, alcançando 6,5%, considerando empréstimos e financiamentos em atraso a 90 dias ou mais. Em julho do ano passado, aquela taxa havia estacionado em 5,5%, saindo de 6,2% 12 meses antes. Em maio de 2013, a inadimplência havia alcançado 6,6%. Também no segmento de crédito livre, as pessoas jurídicas passaram a registrar uma inadimplência correspondente a 3,3% do saldo de empréstimos, frente a 2,9% em julho do ano passado, retornando à taxa observada em fevereiro de 2024. No caso das empresas, o período mais complicado, nesta área, havia sido observado ao longo de 2017, quando os pagamentos atrasados representaram 5,9% de todo o estoque de crédito contratado pelo setor.
Essa piora relativa, embora não sinalize ainda uma crise sistêmica de proporções mais graves, exige atenção, especialmente porque o governo já executou, entre julho de 2023 e maio do ano passado, o Programa Emergencial de Renegociação de Dívidas de Pessoas Físicas Inadimplentes (Desenrola Brasil), destinado a aliviar o cenário de inadimplências e reduzir o peso das dívidas sobre o orçamento das famílias de renda mais baixa. No mercado livre de crédito — assim considerado porque os juros correm livremente, seguindo os humores do mercado financeiro —, o custo do crédito mantém-se muito alto, rondando a casa dos 25,0% ao ano para as empresas e nada menos do que 57,7% para as pessoas físicas.
Aquelas taxas refletem o custo médio anual enfrentado por pessoas físicas e jurídicas. Os juros anuais no cartão de crédito rotativo, no exemplo mais escandaloso, variam de 271,3% para as empresas e alarmantes 446,6% para as famílias. Em outra modalidade, que tem predominado sobretudo para pessoas físicas de renda média e baixa, as taxas chegaram, em julho deste ano, a 133,8% no cheque especial. Para as empresas, o mesmo tipo de operação registrava, até ali, juros de 364,0% ao ano — literalmente, quase 1,0% ao dia.
Os dados da mais recente Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), mostram um novo avanço do percentual de famílias endividadas, que voltou em julho deste ano a representar 78,5% do total de famílias, depois de ter recuado para 76,1% em janeiro. O índice manteve-se praticamente inalterado em 12 meses, mas continua em nível muito alto, já que as famílias destinaram, ainda em julho passado, 29,42% de sua renda para o pagamento de juros e prestações de suas dívidas, apenas ligeiramente abaixo dos 29,61% registrados no mesmo mês do ano passado.
Balanço
Mais do que isso, o percentual das famílias com dívidas em atraso subiu de 28,8% para 30,0% entre julho do ano passado e o mesmo mês deste ano. Em torno de 12,7% das famílias brasileiras passaram a declarar que não terão condições de pagar o que devem, o que se compara com 11,9% em julho de 2024. O avanço da inadimplência ocorre ao mesmo tempo em que as concessões de novos empréstimos passaram a cair, o que pode criar um outro tipo de problema. A queda é resultado direto do “aperto monetário” em vigor, com a manutenção dos juros básicos em níveis historicamente muito altos. Na verdade, a redução na oferta de crédito é um dos resultados buscados pelo Banco Central (BC) em sua política — equivocada — de combate à inflação.
O complicador adicional está exatamente na necessidade de mais crédito daqueles mais afetados pela inadimplência, já que será preciso renegociar os pagamentos em atraso e consolidar aquelas dívidas sob condições de juros e prazos mais favoráveis, possivelmente com alguma forma de desconto. O recuo nas operações envolvendo “crédito novo” tende a dificultar esse processo.
A valores ajustados sazonalmente, ou seja, com exclusão de fatores e eventos que ocorrem todos os anos numa mesma época, as concessões de novos empréstimos e financiamentos experimentaram recuo de 1,79% entre o trimestre finalizado em abril deste ano e os três meses seguintes, saindo de R$ 1,962 trilhão para menos de R$ 1,927 trilhão. A queda foi mais intensa para as empresas, que tiveram o valor das concessões reduzido de R$ 892,9 bilhões para R$ 871,4 bilhões naquele mesmo período, correspondendo a uma baixa de 2,41%. As concessões para pessoas físicas, que passaram de R$ 1,075 trilhão para R$ 1,053 trilhão, apresentaram baixa de 2,08%.
Os dados continuam positivos na comparação com o mesmo trimestre do ano passado, mas com nítida desaceleração na velocidade de crescimento quando considerado o avanço anotado anteriormente. No trimestre de maio a julho do ano passado, diante de igual intervalo de 2023, as concessões totais haviam experimentado alta de 15,90%. Neste ano, considerando o mesmo trimestre, as estatísticas do BC mostram uma variação de 7,95%. As contratações de novos créditos pelas empresas, que chegaram a aumentar 17,28% no ano passado, cresceram agora a uma taxa de 10,0%. Para as pessoas físicas, o ritmo de elevação das concessões saiu de 14,77% para 6,34%.
Houve baixa tanto no segmento de crédito livre quanto no crédito direcionado, que oferece taxas mais baixas e estabelecidas, em geral, por políticas públicas. As concessões naquele primeiro segmento recuaram 1,16% entre o trimestre encerrado em abril deste ano e os três meses seguintes. No crédito direcionado, a redução foi de 2,90%, com tombo de 8,67% para as empresas.
Como exceção, o crédito rural, que havia encolhido com certo vigor na safra 2024/25, ensaia uma alta agora, ainda que as taxas de inadimplência nesta área tenham alcançado os níveis mais altos da série histórica de dados do BC, iniciada em 2011. As concessões para empresas rurais e produtores pessoas físicas cresceram, respectivamente, 26,7% e 37,1% em relação ao trimestre fevereiro a abril deste ano, saltando ainda 66,6% para as pessoas jurídicas em relação ao trimestre maio a julho do ano passado. Nesta mesma comparação, as concessões para pessoas físicas avançaram 9,63%. A taxa de inadimplência do crédito rural contratado por pessoas físicas, embora inferior à média registrada para as operações totais realizadas pelas famílias, elevou-se de 1,9% em julho do ano passado para 4,4% no mesmo mês deste ano.