Burnout avança entre trabalhadores e preocupa especialistas
Síndrome já atinge quase um terço da população ocupada no Brasil e ameaça a saúde mental de profissionais e estudantes
O burnout deixou de ser um termo restrito ao vocabulário médico e se tornou uma realidade presente no cotidiano de milhares de trabalhadores brasileiros. Reconhecida oficialmente como doença ocupacional pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e já incorporada à Classificação Internacional de Doenças (CID-11), a síndrome do esgotamento profissional cresce em ritmo acelerado.
No Brasil, estimativas apontam que quase um terço da população ocupada apresenta sinais do transtorno, e os afastamentos por saúde mental têm batido recordes nos últimos anos.
Em Goiás, levantamentos acadêmicos reforçam a gravidade do problema. Um estudo publicado em 2025 na Revista Caderno Pedagógico analisou 112 profissionais de enfermagem da Atenção Primária à Saúde em Rio Verde. O resultado mostrou que a maioria apresentava níveis moderados de exaustão emocional e despersonalização, além de baixa realização profissional em parte significativa da amostra.
O trabalho ainda revelou que enfermeiros casados ou em união estável tinham maior risco de desenvolver esgotamento, enquanto idade e presença de filhos influenciavam diretamente a percepção de realização no trabalho. Para os pesquisadores, a sobrecarga de funções e a falta de apoio institucional são fatores que intensificam o quadro, comprometendo a saúde mental dos profissionais e, consequentemente, a qualidade do atendimento oferecido à população.
O cenário também preocupa entre futuros profissionais da área. Um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) defendido em 2024 na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás (UFG) revisou estudos sobre a prevalência do burnout em estudantes de medicina no País.
Embora os índices de diagnóstico variem de 3% a 12%, a pesquisa identificou que grande parte dos alunos apresenta sinais de exaustão emocional intensa, considerada a porta de entrada da síndrome. O risco é maior entre mulheres e estudantes do ciclo clínico, que lidam diretamente com pacientes e enfrentam jornadas mais exaustivas. Outro dado preocupante foi a associação entre altos níveis de burnout e o pensamento de desistência do curso, o que pode comprometer a formação de novos profissionais. Em contrapartida, a prática de atividade física surgiu como fator de proteção.
Para especialistas, os números revelam uma realidade que já não pode mais ser ignorada. A psicóloga hospitalar Brenda Brandão explica que os primeiros sinais de burnout envolvem cansaço extremo, irritabilidade, dificuldades de concentração, falhas de memória e problemas de sono, principalmente insônia. Segundo ela, também são comuns sintomas físicos como dores de cabeça frequentes, alterações no batimento cardíaco e problemas gastrointestinais.
A profissional ressalta que a síndrome não surge de forma repentina. “O burnout é um processo gradual, resultado da forma como lidamos com a rotina e com as pressões diárias. O excesso de trabalho e a pressão constante estão diretamente associados ao desenvolvimento do problema. Mas a falta de reconhecimento também pesa, porque desmotiva e faz com que o indivíduo sinta que todo esforço é inútil”, explica.
Brenda alerta que, se não tratado, o burnout pode evoluir para quadros mais graves, como depressão. Os reflexos atingem tanto o ambiente profissional com queda de produtividade, erros frequentes e afastamentos prolongados quanto a vida pessoal, marcada por ansiedade, isolamento social e conflitos nos relacionamentos.
Diante desse cenário, a psicóloga reforça a importância da prevenção, que passa por hábitos de autocuidado. “Praticar atividades físicas, priorizar o sono, manter uma alimentação equilibrada e respeitar limites de tempo para o trabalho são estratégias fundamentais. Também é essencial reservar momentos de lazer e manter uma rede de apoio social, compartilhando sentimentos com pessoas de confiança”, orienta.
Jornadas exaustivas, pressão por metas inalcançáveis e ambientes de trabalho pouco acolhedores são apontados como fatores estruturais que alimentam o problema. Para especialista, não basta apenas responsabilizar o trabalhador pela sua saúde mental. “É preciso que empresas e instituições reconheçam a importância de investir em qualidade de vida no trabalho, promovendo condições mais saudáveis e respeitando os limites humanos”, avalia.
Quando a exaustão emocional exige ajuda profissional e prevenção contínua
Identificar o momento certo de procurar ajuda profissional é um dos principais desafios de quem enfrenta o burnout. Brenda é categórica ao afirmar que os sinais não podem ser ignorados. “Sempre que o sofrimento emocional persistir, tristeza, ansiedade, medo, angústia, desânimo constante ou sintomas de pânico é hora de buscar um profissional”, orienta.
De acordo com ela, casos mais leves da síndrome podem ser tratados exclusivamente com psicoterapia, enquanto quadros mais graves podem exigir uma abordagem combinada, incluindo o uso de medicação sob acompanhamento especializado. “O importante é não negligenciar os sinais. Quanto mais cedo a pessoa buscar ajuda, maiores são as chances de recuperação e de evitar complicações como a depressão”, reforça.
Outro ponto de alerta levantado pela psicóloga é a possibilidade de recaídas. Brandão explica que o burnout não garante imunidade após o primeiro episódio. Pelo contrário, a repetição é comum quando não há mudanças significativas na forma como o indivíduo se relaciona com o trabalho. “Se a pessoa não muda sua relação com o trabalho e não estabelece novos limites, corre o risco de reviver o esgotamento. A prevenção é contínua”, afirma.
Ela ressalta que a prevenção não depende apenas do indivíduo, mas também do ambiente em que ele está inserido. Definir limites claros entre vida pessoal e profissional, investir em momentos de lazer, cultivar redes de apoio e respeitar os sinais do corpo são práticas essenciais para reduzir o risco. “Cuidar da saúde mental não é luxo, é necessidade”, completa.
Com os afastamentos por questões emocionais em alta no Brasil, a recomendação dos especialistas é clara: buscar ajuda não deve ser visto como sinal de fraqueza, mas de coragem e autocuidado. Afinal, o burnout é uma condição séria, que pode comprometer tanto a vida pessoal quanto a carreira se não for tratada adequadamente.