Alta dos seguros de motos em Goiás expõe impacto da ausência do DPVAT
Crescimento da procura por proteção, evidencia lacunas deixadas pela extinção da indenização, que sobrecarrega o SUS e deixa vítimas desassistidas
O mercado de seguros de motocicletas em Goiás tem registrado aumento de procura e, ao mesmo tempo, encarecimento das apólices. Segundo o Mapa de Seguros da Serasa, entre 2024 e 2025 houve salto nas cotações para motos em todo o Brasil, passando de 28% para 41% das buscas, movimento que reflete a crescente popularização do veículo como alternativa prática de transporte e de geração de renda.
“A popularização dos aplicativos de mobilidade ampliou as opções de transporte, levando o consumidor a avaliar o custo-benefício entre carro próprio, moto ou transporte por aplicativo. Nesse cenário, a moto se consolidou como uma alternativa prática e acessível, tanto para deslocamento diário quanto para geração de renda”, afirma Emir Zanatto, head de seguros da Serasa.
Em Goiás, os dados reforçam o perfil de quem mais procura seguro: motociclistas majoritariamente homens (61,7%), solteiros (59,5%) e com idades entre 18 e 45 anos (71,5%). A faixa de renda predominante fica entre R$ 1.500 e R$ 3 mil mensais (71,5%), evidenciando que a maior parte desse público pertence a camadas de menor poder aquisitivo. Ainda assim, o nível de adimplência é relativamente alto, 85,8% em Goiás, mostrando preocupação com a proteção patrimonial.
A escalada das procuras ocorre em um cenário de fragilidade estrutural. Com o fim da cobrança do Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT) em 2020, e a tentativa frustrada de criação do SPVAT em 2024, motociclistas passaram a arcar sozinhos com os custos de indenizações e tratamentos. Até 2023, os recursos acumulados do DPVAT ainda garantiam cobertura, mas o saldo foi esgotado em novembro daquele ano. Desde então, vítimas de acidentes dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS) ou de seguros privados.
O impacto é direto no sistema público de saúde. Estimativas do Ministério da Saúde apontam que 45% da arrecadação do DPVAT era destinada ao Fundo Nacional de Saúde, o que representava cerca de R$ 580 milhões por ano.
A representante da pasta, Letícia de Oliveira Cardoso, afirmou em audiência pública que a extinção do benefício sobrecarregou os cofres da União: apenas com internações de vítimas de trânsito, os gastos chegam a R$ 449 milhões anuais. Ainda destaca que os motociclistas são as principais vítimas e que até 60% dos leitos de urgência e UTI em alguns municípios estão ocupados por acidentados.
No Estado goiano, o cenário se reflete no Hospital de Urgências de Goiás Dr. Valdemiro Cruz (Hugo), que registrou 909 atendimentos relacionados a acidentes de trânsito nos quatro primeiros meses de 2025. Desse total, 678 envolveram motociclistas, resultando em 75% das ocorrências. Em 2024, na Capital, o Painel Vida no Trânsito (PVT) contabilizou 205 mortes, sendo 128 de motociclistas. Os dados mostram ainda que 84,9% das vítimas fatais eram homens, confirmando a vulnerabilidade desse público.
Especialistas apontam que fatores comportamentais ampliam os riscos. “Os jovens costumam ter um espírito mais aventureiro e começam a pilotar sem pilotar experiência. Eles precisam entender que devem sempre ser visíveis no trânsito, evitar ultrapassagens pela direita e movimentos bruscos. Mas, na prática, o que vemos é o contrário: desrespeito à sinalização, avanço de semáforos e falta de empatia com outros usuários”, alerta Marcos Rothen, especialista em mobilidade urbana.
O presidente do Departamento Estadual de Trânsito de Goiás (Detran-GO), Delegado Waldir, também destaca a diferença de comportamento entre homens e mulheres: “As estatísticas mostram que a mulher sempre foi a melhor motorista. É aquela que tem o menor número de mortes. Quase 80% dos homens são as vítimas fatais de acidentes.”
Nesse contexto, a alta dos seguros de motocicletas, embora busque compensar o aumento da sinistralidade, acaba pesando no bolso de quem depende do veículo para trabalhar e se locomover. E, sem o DPVAT, quem não consegue contratar uma apólice particular permanece exposto a uma dupla vulnerabilidade: a do trânsito e a da falta de proteção financeira.
Auxílio-acidente do INSS: quando o trabalhador tem direito ao benefício
O aumento dos acidentes de trânsito, sobretudo envolvendo motociclistas, reforça a importância de compreender os mecanismos de proteção disponíveis no âmbito da Previdência Social. Entre eles está o auxílio-acidente, benefício indenizatório pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a segurados que, após um acidente, apresentam sequelas permanentes que reduzem sua capacidade de trabalho.
De acordo com o advogado previdenciário Felipe Moura, o benefício não substitui o salário, mas funciona como um complemento de renda. “O auxílio-acidente corresponde a 50% do salário de benefício do segurado, que é calculado com base na média de suas contribuições previdenciárias. Ele é pago mensalmente até a aposentadoria e pode ser acumulado com o salário, desde que a pessoa continue trabalhando”, explica.
Para ter direito, é necessário comprovar que o acidente gerou sequelas definitivas, mesmo que parciais, que limitem a atividade profissional. O pedido pode ser feito administrativamente, mediante apresentação de documentos pessoais, Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), quando for o caso, laudos médicos e exames. Caso o INSS negue o pedido, é possível recorrer judicialmente.
Moura reforça que muitos trabalhadores desconhecem o direito e deixam de solicitar o auxílio. “A informação é fundamental, principalmente para motociclistas, que compõem uma categoria altamente exposta a acidentes. O benefício pode garantir um mínimo de estabilidade financeira em um momento de fragilidade”, afirma.
No entanto, o advogado alerta que o auxílio não cobre despesas médicas nem substitui a função que era exercida. “É um apoio parcial, que ajuda a reduzir o impacto das sequelas, mas não resolve o problema maior: a ausência de um seguro nacional obrigatório, que atendia milhares de vítimas de trânsito todos os anos.”