Despesa das famílias com juros cresce 9% e atinge pouco mais de R$ 215 bi
A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) há duas semanas de
manter a taxa básica de juros em 15% ao ano deverá impor novos custos às
empresas e às famílias, afetando negativamente as decisões de investimento
e de consumo na economia – objetivo único de um política de arrocho,
como raras leitoras e raros leitores desta coluna poderiam concordar. Se
este é o propósito, pode-se dizer então que aquela política tem dado
resultados, afinal, quando maior a carga dos juros, maiores são as despesas
de empresas e das pessoas físicas endividadas, o que acaba por deprimir a
demanda em geral, já que sobram menos receitas e menos renda para
investimentos e para o consumo.
Os recursos “desviados” pelas famílias apenas para fazer frente a juros e
amortizações das dívidas bancárias contratadas ao longo dos últimos meses
experimentaram um crescimento real de 9,25% na comparação entre o
trimestre encerrado em julho do ano passado e o mesmo trimestre móvel
deste ano. Numa estimativa construída a partir das estatísticas do Banco
Central (BC) sobre o mercado brasileiro de crédito, o gasto das famílias
com juros avançou de R$ 196,813 bilhões para R$ 215,022 bilhões em
valores reais, quer dizer, depois de descontada a inflação, e também
ajustados sazonalmente, desconsiderando os efeitos de eventos e fatores
que sempre ocorrem em igual período todos os anos.
De acordo com os dados do BC, o percentual da renda trimestral das
famílias comprometida com o pagamento do serviço da dívida (juros mais
suas prestações) variou de 26,9% no trimestre entre maio e julho do ano
passado para 27,9% em idêntico período deste ano. No mesmo intervalo, a
renda nacional bruta disponível das famílias, a valores de julho deste ano e
descontados fatores sazonais, avançou de R$ 731,645 bilhões para R$
770,688 bilhões, variando 5,34%.
Metade do ganho
Em outra comparação possível, aquelas estatísticas mostram que quase
metade da renda extra acumulada pelas famílias foi destinada ao
pagamento de juros e amortizações. A matemática sugere, por exemplo,
que a renda nacional bruta, que soma todos os rendimentos das famílias,
incluindo salários, aluguéis, aposentadorias, pensões e benefícios como a
renda mensal vitalícia e Bolsa Família, entre outros, descontados de
impostos e contribuições à Previdência, registrou incremento
correspondente a R$ 39,043 bilhões entre julho do ano passado e julho
deste ano – sempre tomando períodos de três meses. Em intervalo idêntico,
as despesas com juros sofreram aumento equivalente a R$ 18,209 bilhões.
Vale dizer, em torno de 46,64% de toda a “renda nova” que veio para
reforçar o orçamento das famílias tivera que ser “desviados” para pagar
juros e amortizações, correspondendo a uma fatia equivalente de frustração
das intenções de consumo e investimento das pessoas físicas.
Balanço
O percentual da renda das famílias consumido pelos juros e
amortizações das dívidas bancárias contratadas pelas famílias ficou
ligeiramente abaixo dos 28,0% alcançados em junho (considerando o
trimestre móvel encerrado naquele mês) e apenas meio ponto
percentual inferior ao recorde da série histórica do BC, alcançado em
maio de 2023. Naquele mês, 28,4% da renda familiar estiveram
comprometidos com o pagamento do serviço de dívidas.
Considerando todo o sistema financeiro, incluindo os segmentos de
crédito livre e direcionado, o saldo do crédito bancário das pessoas
físicas experimentou variação nominal de 11,63% entre julho de
2024 e o mesmo mês deste ano, correspondendo a um crescimento
real de 6,08% depois de descontado o Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA) de 5,23% acumulado nos 12 meses entre
agosto do ano passado e julho deste ano. Sempre em valores
nominais, aquele saldo passou de R$ 3,744 trilhões para pouco
menos de R$ 4,180 trilhões.
As concessões de novos empréstimos e financiamentos pelos bancos
têm sofrido baixa no curto prazo, levando a uma desaceleração no
ritmo de crescimento do crédito numa comparação interanual, com
alta ainda da inadimplência e dos juros cobrados pelo sistema
financeiro (embora tenha ocorrido flutuação para baixo nos meses
mais recentes, especialmente nas operações realizadas com pessoas
físicas).
No total, somando os segmentos de crédito livre e direcionado, as
concessões já ajustadas sazonalmente saíram de R$ 1,975 trilhão
entre março e maio deste ano para R$ 1,906 trilhão nos três meses
seguintes, num recuo de 3,46%. Na comparação com contratações de
R$ 1,817 trilhão realizadas no trimestre finalizado em agosto do ano
passado, persiste um incremento de 4,90%.
Essa taxa, de todo modo, expressa uma desaceleração no crescimento
das concessões, que precisamente correspondem a liberação de
“empréstimos novos” pelos bancos. Considerando os trimestres de
junho a agosto de 2024 e de 2023, o crescimento havia sido de
16,62%.
A queda entre maio e agosto, ainda tomando períodos trimestrais, foi
mais expressiva no caso das empresas, com queda de 5,63%, como
volume de concessões encolhendo de R$ 900,7 bilhões para R$
850,0 bilhões. Na comparação com o trimestre junho a agosto de
2024, quando as concessões haviam alcançado R$ 823,9 bilhões,
registrou-se um avanço de 3,17% – muito abaixo da alta de 21,27%
registrada na comparação entre junho-agosto ano passado com o
mesmo trimestre de 2023.
Entre pessoas físicas, as concessões haviam crescido 13,31% entre
2024 e 2023 (sempre no trimestre junho a agosto) e passaram a
avançar 6,63% neste ano, saindo de R$ 992,8 bilhões no ano passado
para R$ 1,059 trilhão neste ano. Em relação ao trimestre março-maio
também de 2025, quando haviam alcançado R$ 1,076 trilhão, houve
um recuo de 1,61%.
No setor de crédito livre, onde os bancos têm o poder de impor seus
juros como bem desejarem, as concessões baixaram 2,07% entre
maio e agosto, com avanço de 4,81% diante de junho-agosto de 2024
(abaixo também da elevação de 19,31% na comparação entre este
último trimestre e igual período de 2023). Nesta área, os juros
cobrados das empresas subiram de 21,0% ao ano em agosto de 2024
para 25,2% no mesmo período deste ano, numa elevação de 4,2
pontos percentuais.
As pessoas físicas pagaram, em agosto deste ano, juros de 58,4% ao
ano, inferior à taxa de 59,3% registrada em junho deste ano, mas
acima dos juros de 51,8% cobrados em agosto do ano passado. A
inadimplência das pessoas físicas chegou em agosto deste ano a
6,8%, a mais alta desde maio de 2012 (7,2%). Para as empresas, o
total de empréstimos em atraso há 90 dias ou mais passou a
corresponder a 3,3% do saldo de crédito concedido ao setor
corporativo, saindo de 2,9% em agosto de 2024. A taxa foi a mais
elevada desde novembro de 2023 (3,6%).