Obesidade cresce no Brasil e ameaça saúde da coluna dos brasileiros
Com avanço acelerado, doença já atinge dois terços da população adulta e sobrecarrega o sistema musculoesquelético, apontam dados do Ministério da Saúde
A obesidade deixou de ser uma preocupação estética há muito tempo. Reconhecida pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma doença crônica e epidêmica, ela se tornou um dos principais desafios do século XXI. No Brasil, o número de pessoas com excesso de peso cresce de forma contínua e alarmante. Segundo a pesquisa Vigitel 2024, 68,5% dos adultos brasileiros estão acima do peso e 24,3% vivem com obesidade — mais que o dobro do registrado em 2006, quando o índice era de 11,8%.
O avanço colocou o país entre os dez com maior prevalência da doença no mundo, de acordo com o Atlas Mundial da Obesidade 2025. A projeção é que até o fim do ano 31% dos adultos estejam obesos e, em 2044, quase metade da população adulta (48%) apresente obesidade. A tendência confirma uma mudança estrutural nos padrões alimentares e de comportamento, marcada pelo consumo elevado de ultraprocessados e pelo sedentarismo urbano.
Os impactos são amplos e duradouros. O Ministério da Saúde estima que o excesso de peso esteja relacionado a mais de 200 mil mortes anuais, impulsionando o aumento de casos de diabetes tipo 2, hipertensão, doenças cardiovasculares, câncer e enfermidades osteoarticulares. O Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME) calcula que 12,6% das mortes registradas no país em 2019 tenham ligação direta com sobrepeso e obesidade.
Entre as consequências menos debatidas, mas crescentes, estão as lesões musculoesqueléticas e os problemas na coluna vertebral. Para o neurocirurgião e especialista em coluna Túlio Rocha, a obesidade atua sobre o corpo em duas frentes: mecânica e inflamatória. O excesso de peso impõe carga contínua sobre as vértebras e discos intervertebrais, acelera o desgaste dos tecidos e altera a postura. O acúmulo de gordura abdominal desloca o centro de gravidade e favorece deformidades, como hiperlordose lombar e hérnia de disco.
Além da sobrecarga física, o organismo obeso sofre com inflamação crônica e maior sensibilidade à dor. Segundo o especialista, substâncias inflamatórias liberadas pelo tecido adiposo reduzem a força muscular e comprometem a mobilidade, dificultando a recuperação de lesões. “A dor lombar frequente, a rigidez ao acordar e a sensação de peso na região lombar são sinais de sofrimento da coluna”, explica.
O Índice de Massa Corporal (IMC) acima de 25 kg/m² já é considerado fator de risco para sobrecarga na coluna. Para Rocha, o enfrentamento da obesidade e da dor vertebral exige abordagem multidimensional. O tratamento deve incluir reeducação postural, fortalecimento muscular e controle de peso, aliados a mudanças duradouras de estilo de vida. “O tratamento da dor não pode se limitar à medicação. É necessário cuidar do corpo como um todo”, afirma.
A reabilitação inclui exercícios de baixo impacto, como pilates, hidroginástica e bicicleta ergométrica, com foco no fortalecimento do core — conjunto de músculos que sustenta a coluna. O trabalho multiprofissional, que envolve nutricionistas, fisioterapeutas e endocrinologistas, é apontado como fundamental para resultados consistentes. O médico também destaca o papel do apoio psicológico, sobretudo em pacientes com dor crônica e resistência emocional ao processo de emagrecimento.
A prevenção, segundo o Ministério da Saúde, deve começar na infância. O Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (2021–2030) estabelece como meta conter o crescimento da obesidade até o fim da década, mantendo a prevalência máxima em 20,3%. As medidas incluem incentivo à alimentação saudável, restrição de produtos ultraprocessados e ampliação das ações de educação alimentar nas escolas.
A Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) reforça que a reversão do quadro depende de políticas públicas de longo prazo. A meta é aumentar em 30% o consumo de frutas e hortaliças até 2030 e reduzir o consumo de bebidas açucaradas. Na vida adulta, a Atenção Primária à Saúde (APS) tem papel central no monitoramento de peso e prevenção de complicações metabólicas.
Com 68% dos brasileiros acima do peso e o sedentarismo em expansão, o país vive uma epidemia que pressiona o sistema público e expõe a fragilidade do cuidado com o próprio corpo. A rotina acelerada, o excesso de trabalho e a dependência de alimentos ultraprocessados indicam que o Brasil, aos poucos, desaprendeu a se alimentar. Inverter essa curva exigirá políticas persistentes, tempo e uma mudança de hábitos que o país ainda não foi capaz de sustentar.
