Os riscos do fisiculturismo extremo: quando a busca pelo corpo perfeito ameaça a saúde
Os impactos do fisiculturismo sobre a saúde têm chamado a atenção de especialistas
O fisiculturismo, esporte que valoriza o desenvolvimento muscular e a baixa porcentagem de gordura corporal, exige dedicação extrema de seus praticantes. Para alcançar os padrões de avaliação, que incluem volume, definição e proporção muscular, atletas seguem rotinas intensas de treinamento e dietas altamente restritivas. No entanto, práticas que ultrapassam os limites do saudável têm levantado preocupações quanto aos impactos sobre a saúde desses competidores.
Nos últimos meses, mortes de atletas brasileiros trouxeram o tema novamente ao centro do debate. Neste mês de outubro, o fisiculturista e influenciador Ricardo Nolasco dos Santos, conhecido como Kadu Santos, morreu aos 31 anos, no Rio Grande do Sul. A causa do falecimento não foi divulgada. Em maio, o atleta Wanderson da Silva Moreira, de 30 anos, sofreu uma parada cardíaca durante uma competição em Campo Grande (MS) e também não resistiu.
Um estudo publicado no European Heart Journal apontou que fisiculturistas profissionais têm risco cinco vezes maior de morte súbita em relação a atletas amadores. A pesquisa, que acompanhou mais de 20 mil competidores da IFBB entre 2005 e 2020, associa o aumento desse risco às rotinas intensas de treino, dietas rigorosas, técnicas de desidratação e uso de anabolizantes, fatores que sobrecarregam o sistema cardiovascular.
Especialistas destacam que a preparação no fisiculturismo exige acompanhamento profissional, mas práticas informais de suplementação e uso de substâncias ainda são comuns no meio esportivo. “A dieta tem função estratégica no treinamento. Durante o bulking, o atleta precisa de um superávit calórico para maximizar a síntese proteica e favorecer a recuperação muscular”, explica o preparador físico e nutricionista esportivo Eduardo Santos.

Após essa fase, vem o cutting, período em que o foco é reduzir o percentual de gordura preservando a massa magra. Trata-se de uma etapa delicada, que exige restrições severas e controle rigoroso dos macronutrientes. “Sem acompanhamento adequado de nutricionistas e médicos especializados, o atleta pode sofrer com deficiências nutricionais, desidratação, desregulação hormonal e exaustão metabólica”, alerta.
Com o aumento dos casos e das evidências científicas, especialistas defendem uma abordagem mais consciente e supervisionada para o fisiculturismo competitivo, um esporte que, embora exalte a estética e a disciplina, pode colocar em risco a saúde de quem ultrapassa os limites fisiológicos do corpo.
Uso de anabolizantes e dietas extremas
Os impactos do fisiculturismo sobre a saúde têm chamado a atenção de especialistas, especialmente quando associados a dietas extremamente restritivas e ao uso de anabolizantes. A prática, proibida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) desde a Resolução nº 2.333/2023, veda a prescrição de hormônios androgênicos e esteroides anabolizantes com fins estéticos ou de performance esportiva.
Embora o uso dessas substâncias tenha se popularizado no meio esportivo, especialistas reforçam que sua aplicação é limitada a situações clínicas específicas, distantes do contexto competitivo. O fato de ter se tornado algo “normalizado” entre atletas não o torna seguro ou legítimo. A literatura médica já consolidou evidências de que os esteroides anabolizantes elevam significativamente o risco cardiovascular, provocando aumento da pressão arterial, acúmulo de placas nas artérias coronárias, disfunções vasculares e maior probabilidade de trombose.
Segundo médicos cardiologistas e endocrinologistas, não há dose considerada segura para o uso dessas substâncias com finalidade estética ou de performance. Em muitos casos, a prescrição indevida decorre da interpretação equivocada de exames, levando profissionais a justificar o uso como “reposição” ou “modulação hormonal”. O problema é que os anabolizantes afetam o equilíbrio de vários sistemas do corpo, aumentando o colesterol ruim (LDL), reduzindo o bom (HDL) e espessando o músculo cardíaco, alterações que, ao longo do tempo, elevam o risco de infarto, acidente vascular cerebral (AVC) e morte súbita, inclusive em jovens sem histórico de doenças.
As dietas extremamente restritivas também representam uma ameaça. A eliminação abrupta de carboidratos e gorduras, somada a treinos extenuantes e longos períodos em jejum, pode comprometer o funcionamento do organismo em diversas frentes. Entre as consequências mais comuns estão hipoglicemia, perda de massa magra, desequilíbrios hormonais, distúrbios do sono e do humor, além da queda na imunidade.
Profissionais de saúde alertam que o preparo físico de atletas deve ser acompanhado por uma equipe multidisciplinar, incluindo nutricionistas, médicos e educadores físicos. O monitoramento constante, com exames preventivos e ajustes alimentares regulares, é fundamental para garantir o desempenho sem colocar a vida em risco, especialmente diante do uso indevido de anabolizantes e das dietas radicais que ainda circulam no meio esportivo.